Vivendo de cultura
Eu estava no terceiro whisky quando ele chegou. “Cara, quanto tempo! E os bacurizinhos como vão?” Sempre ri intimamente de seu jeito acariocado de falar, afinal, ele o adquiriu nos poucos meses em que serviu em um quartel no Rio... Apesar de, naquele momento, estar disposto a ficar só com minhas conexões neurais, não pude me furtar a ser gentil: “Aguirre, há quanto tempo! Como vai o Fernando Pessoa de Uruguaiana?” “Que é isso, cara”, diz ele, tentando fingir modéstia, “é bondade sua...” “Senta aí e vamos tomar um ‘goró’. “Tá, mas é só um, tenho que seguir trabalhando...” “E o que tem feito da vida?” Para que fui perguntar? Seus olhos brilharam e marejaram: “Tenho tentado viver de cultura nesta cidade ingrata e inculta.” “Viver de cultura? E como é isso? Vai dizer que tá sendo sustentado por uma professora?” “Antes fosse”, responde ele, limpando o suor da careca precoce, enquanto tenho uma vontade quase incontrolável de rir de seus olhos esbugalhados atrás dos grandes óculos, “antes fos...