O lobo-mau e a liberdade de expressão



Começo esta crônica com uma notícia que me entristeceu: estou saindo da Liga Humanista Secular do Brasil.
Já me desliguei da comunidade que a entidade mantém no facebook e, agora, estou pedindo minha exclusão do quadro de membros, além de estar retirando de meu blog o banner da mesma.
Uma atitude radical, com certeza, ainda mais levando-se em conta que considero os objetivos da Liga como justos em sua luta por um mundo melhor; compartilho com a ONG suas lutas contra o racismo, contra o sexismo, contra a exploração sexual, contra a interferência da religião no Estado, contra a homofobia...
São tantos nossos pontos em comum que associei meu blog em abril de 2011 há, portanto, quase dois anos.
Qual a razão, então, de tanto radicalismo? Uma atitude tomada pela Liga no facebook, excluindo uma página por não concordar com seu conteúdo.
A página era denominada Lobo Insano e era realmente uma página de mau gosto; com um “humor” pouco inteligente, sem graça, apelativo... Suas “piadas” eram do nível: “não deixe que estuprem sua filha, faça você mesmo”. Você ficou com nojo? Eu também, ainda mais que tenho uma filha com 10 anos.
“Mas então”, posso quase ouvir meu leitor, minha leitora, matutando, “por que cargas d’água você está saindo da Liga, se concorda com suas ideias e discordava da página excluída?”
Eu explico, meus caros, minhas caras; a coisa se resume à expressão Liberdade de Expressão (com o perdão do trocadilho).
Em minha opinião, o fato de a Liga ter calado a voz do Lobo contradiz a máxima de Voltaire: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte teu direito de dizê-lo”; ou seja, não é o fato de não concordar, de achar de mau gosto ou de ficar enojado com o que você diz que deve me dar direito de calá-lo.
Para muitos conservadores, por exemplo, o que defendemos (a Liga e eu) quando nos manifestamos favoráveis ao casamento homossexual ou à liberdade de escolha em relação ao aborto, certamente parecerá insano, nojento, errado, imoral, de mau gosto; afinal, contraria sua visão de mundo. Não é, entretanto, a discordância de tais grupos que deve nos calar. Devemos ter o direito de expressarmos nossa visão de mundo, de lutar por ela, de pressionar, de divulgar...
Se assim penso, que tenho o direito de me expressar livremente, gostem ou não do que digo, como posso negar tal direito a outrem? Como posso dizer “não importa o que vocês pensam; eu acho que estou com a razão e vou continuar me manifestando” e, ao mesmo tempo, dizer “você pensa diferente de mim, portanto você não tem direito a se manifestar”?
Isso foi o que feriu minha consciência no caso LiHS x Lobo.
Estou certo? Estou sendo radical? Serei eu um babaca?
Bom, talvez eu só esteja ficando velho e tenha vivido uma realidade diferente. Cresci em meio a uma ditadura militar (instaurada em 1964); lutei por sua derrubada; apanhei da brigada em manifestação por meu direito de me manifestar... Da mesma forma, como o único ateu que conhecia até os vinte e poucos anos, em várias ocasiões tentaram me calar em sala de aula ou em rodas de conversa pelo simples fato de que aquilo em que eu acreditava (ou não acreditava) ia em sentido contrário com o que a maioria defendia.
Eu estava certo e eles errados? Em minha opinião sim, na opinião deles não. E quem de nós está certo? Talvez eu, talvez eles, talvez ninguém.
Quando surgem tais assuntos, sempre gosto de lembrar que a moral e a ética, embora fundamentais para a vida em sociedade, não são valores absolutos, além de variar conforme a visão pessoal, variam em tempo e espaço; ou seja, o que vale para o Brasil no Século XXI, seria considerado absurdo no Brasil do Século XIX, e mesmo é considerado ofensivo em outros países em pleno 2013; ou seja, não há uma “verdade moral e ética absoluta”, existe aquilo em que me baseio e por que luto, e aquilo em que outros se baseiam e por que lutam.
Talvez daqui há 100 anos, aquilo que defendemos hoje como valores éticos sejam vistos como absurdos e mesmo nojentos; quem sabe?
Por tudo isso, considero que calar vozes discordantes é ruim, errado e tão “nojento” quanto as piadas sem graça do Lobo.
Quem me conhece ou quem acompanha este blog sabe que sou ateu militante; que sonho com o dia em que não tenhamos mais religiões. Mas se sonho em acabar com as religiões, meu sonho é o de convencer através da exposição de argumentos e de evidências, não através da proibição. Supondo-se que um dia surgisse uma lei proibindo a religião (ou proibindo, por exemplo, os cultos evangélicos), podem ter certeza de que estaria na luta pela derrubada de tal dispositivo legal; muito embora discorde frontalmente de sua religião e de sua visão literal da bíblia. Como expus aos membros da LiHS, permitir que fale àqueles com quem você concorda é fácil; o difícil é concordar com a liberdade daqueles que falam o contrário daquilo que você acredita, mas somente quando você respeitar esse último você estará garantindo a real liberdade de expressão; caso contrário, você estará apenas garantindo sua própria liberdade de dizer o que pensa e estará, portanto, sendo um ditador em miniatura.
Para finalizar, deixo uma frase da Martha Medeiros, publicada na Zero Hora desta quarta (09/01/2013), página 2:
“O politicamente correto tem um pé na boa intenção e outro pé na repressão de liberdade. Costumo ser defensora acirrada da ética, mas não contem comigo para dar trela aos excessivamente bonzinhos, que pretendem higienizar o universo com medidas estapafúrdias que, espero, nunca serão levadas a sério. Se começarem a restringir a arte e a livre expressão, zzzzzzzzzz, o tédio dominará o mundo e colocará todos para dormir mais cedo.”

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