O psicólogo, o desistente e a ambientalista*
Têm sido
semanas agitadas no mundo religioso.
Começamos com o
a entrevista do Silas Malafaia à Marília Gabriela.
Psicólogo de
formação e líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o pastor deu
uma verdadeira lição de conhecimento em ciências, especialmente em genética;
exemplo negativo, bem entendido...
Malafaia
desfiou seu rosário (apesar de não ser católico) de intolerância, de
desrespeito e de desconhecimento de genética básica; trocou os pés pelas mãos,
as adeninas pelas citosinas e os cromossomos metacêntricos pelos acrocêntricos
ao tentar explicar que ninguém ‘nasce gay’, já que não existe um ‘gene gay’, explicando,
ainda, que existem somente genes masculino e feminino.
Trocando metacêntrico por acrocêntrico
Putz! Genes
masculino e feminino! Caro Malafaia, a natureza encontrou inúmeras formas de
definir os diferentes sexos, em geral definido por diferenças nos cromossomos
sexuais (ou alossomos), que diferem dos demiais cromossomos (chamados
autossomos); às vezes os cromossomos sexuais repetidos indicam o sexo
masculino, às vezes o feminino; às vezes a ausência de um dos alossomos é quem
determina o sexo. No caso dos seres humanos, o sexo é definido por um par
denominado XY, sendo que se você tem o par XX, você é fêmea, se você for XY
você é macho; mas isso são cromossomos (para quem não sabe, sequência de DNA que,
durante a mitose fica enrolado em histonas), onde estão os locos de diversos
genes.
Além disso, ao
contrário do que o televangelista disse, em geral não é um gene que determina
uma característica (por exemplo, a cor dos olhos ou o formato do nariz), mas as
interações entre diversos genes e o meio-ambiente.
Gêmeos
Citando o
exemplo de gêmeos univitelinos, conforme usou Malafaia, o fato de um
desenvolver câncer não indica que outro vá obrigatoriamente desenvolver, embora
seja um fator de risco considerável, pois indica que há uma pré-disposição
genética a qual pode ser disparada por fatores ambientais, a exemplo do consumo
de tabaco. Não confunda, entretanto, o fato de estar usando aqui uma doença
como exemplo não deve induzi-lo a pensar que estou considerando o homossexualismo
(ou a homossexualidade como preferem alguns) uma doença; estou apenas citando
exemplos de interações gênicas.
Seguindo com os
exemplos utilizados pelo milionário condutor de almas, gêmeos univitelinos (que
possuem exatamente a mesma carga genética) realmente não são obrigatoriamente
homo ou heterossexuais em dupla; mas a incidência de gêmeos univitelinos com a
mesma orientação sexual é significativamente maior do que entre irmãos normais;
ou seja, há indicações de que pode sim haver um fator genético na preferência sexual,
embora esse fator não possa ser visto à luz do “determinismo genético”, como
quer Malafaia, já que esta forma de ver as interações gênicas só serve para
ensinar mendelismo no Ensino Médio; qualquer um com um conhecimento de genética
um pouquinho superior ao básico sabe que não é um gene que vai te fazer, por
exemplo, ter um QI de 180, mas que a interação entre diversos genes com
fatores, como por exemplo uma boa alimentação e incentivo poderão levar a isso.
Para não me
extender, deixo abaixo um vídeo de um doutorando em genética pela Universidade
de Cambridge, em português, com as respostas adequadas, ponto por ponto aos
absurdos ditos pelo terceiro pastor mais rico do país (segundo a Forbes):
Malafaia
respondeu ao vídeo dizendo que o doutorando é homossexual e, por isso, não deve
ser levado em conta... Eu realmente não sabia que orientação sexual definia seu
conhecimento científico!
E daí? Perguntam-me
os desavisados, a exemplo de uma senhora que, dias desses, em resposta a uma matéria que postei no facebook falando sobre a possibilidade de eleição de um papa
que prega a morte dos homossexuais, postou que “graças
a Deus que o tempo em que o clero interferia no governo já passou”, ignorando
que temas como união homoafetiva, pesquisas com células tronco, aborto e
legalização da maconha (só para citar alguns) estão emperrados no congresso por
conta da ação de grupos religiosos dentro do Congresso. Eu realmente temo o dia
em que a bancada evangélica seja maioria (mas volto a esse tema daqui a pouco).
O desistente
Falando em papa, chocou o mundo a divulgação de Bento XVI
de que renunciará ao Trono de Pedro no próximo dia 28.
A igreja realmente não é mais a mesma; a última abdicação
havia ocorrido em 1415, e foi feita “na marra”.
Várias teorias tem sido levantadas para explicar o gesto
de Ratzinger, desde que a situação financeira do vaticano está tão difícil, com
casos de corrupção, de pedofilia e de redução do número de fiéis (só a
Alemanha, terra natal do atual papa, por exemplo, deverá fechar mais de 70
paróquias nos próximos 7 anos), até uma teoria que diz que o antigo membro da
juventude hitlerista teria, finalmente, se tornado ateu.
Teorias conspiratórias à parte, o fato é que deve ser
realmente um peso para um homem de 85 anos lidar com um império (o único ainda
absolutista no globo terrestre) que está a ser reduzido e espremido entre a
necessidade de manter seus dogmas medievais e a realidade do século XXI; que
precisou abrir mão de doutrinas como o criacionismo bíblico, afirmando que a
Teoria da Evolução ou o Big Bang não são incompatíveis com a fé, e ainda assim
afirmar que mulheres não podem celebrar missas, que o papa é infalível ou que
não é contraditório pregar contra a miséria e gastar milhões só para manter a
ostentação do cargo.
Deve ser um fardo imenso acobertar tantos desvios do
clero, como os já citados casos de pedofilia ou os roubos ao Banco do Vaticano,
e ainda sustentar que a doutrina católica torna seus seguidores pessoas
melhores.
Deve ser difícil, no fim da vida, pensar que tantos
padecerão de AIDS na África por não usar preservativos, já que o próprio Bento
XVI, quando de sua visita ao continente, apregoou a seus fiéis que seu uso era
pecado mortal.
Deve ser terrivelmente sacrificante tentar fazer a igreja voltar
a crescer (e, portanto, voltar a ser um negócio lucrativo), quando se excluem
tantos, por sexismo, homofobia, ou por seguir leis canônicas criadas antes do
advento do arado de ferro na Europa.
No fim, a decisão do 265º papa é uma decisão política, de
um monarca absolutista que vê seu reino ruir sem ter mais condições físicas de
tentar reverter o processo.
A
ambientalista
Por falar em política; quem foi destaque no noticiário
nacional desta semana foi a ex-candidata à presidência (que provavelmente
repetirá a dose em 2014) Marina Silva, com a criação de seu novo partido,
denominado Rede.
Embora venha com ideias aparentemente inovadoras, tais
como definir que seus candidatos não recebam verbas de doação de empresas de
cigarros, armamentos, agrotóxicos e bebidas, ou impondo um limite ao número de
mandatos que seus políticos poderão exercer, Marina está com dificuldades de
angariar apoios de peso, mesmo com seu cacife de quase 20 milhões de votos nas
eleições de 2010.
“Opa”, sinto o atento leitor saltar, “mas você estava
falando de religião, como mundou para a política assim, de repente?”.
Eu explico: ocorre que a Rede nasce com a mácula do
antilaicismo.
Marina, que se diz tão inovadora, é fundamentalista
religiosa (Assembléia de Deus), criacionista, e favorável ao ensino do
criacionismo em escolas públicas, em total dissonância com o laicismo apregoado
pela Constituição que juraria respeitar, caso fosse eleita presidente.
A “inovação desvinculada” de Marina é tamanha que ela se
posiciona contra pesquisas com células tronco embrionárias, contra a
descriminalização do aborto, contra o casamento de pessoas do mesmo sexo, contra
a legalização da maconha...
Ou seja, a política, a exemplo da bancada evangélica, é
daquelas que legisla (e provavelmente governará se for eleita) com a bíblia em
cima da Constituição, respeitando a Carta Magna apenas nos pontos em que esta
não contradiga sua visão religiosa.
Como já falei antes, neste mesmo texto, temo muito o dia
em que os fundamentalistas bíblicos sejam maioria no Congresso; ocasião em que
certamente tentarão implantar uma teocracia, dirigindo os esforços do Estado à
sua visão de como todos devemos nos portar e limitando nossa liberdade ao que
eles determinam que seja o religiosamente válido.
Tal ala deve ser fortalecida com a criação da Rede, uma
vez que, ao invés de tentar defender suas posições através de argumentos dentro
de partidos, Marina optou por formar outro partido, somando-o aos mais de 30 já
existentes, no qual é a líder absoluta e, portanto, não precisa dar
explicações.
Extinção
por consulta
Sintomático disso é o fato de que a única liderança em
nível nacional que a apoio foi Heloísa Helena, que deixou o PSOL alegando que a "obrigaram" a defender a
descriminalização do aborto, o que contraria sua fé; ou seja, novamente alguém
que pensa mais no que prega sua religião do que os anseios do povo que a elegeu.
Sorte que a Rede já nasce prevendo uma futura extinção
pois, por uma proposta demagógica inovadora de Marina, será feita uma “ampla
consulta” para decidir se o partido deve continuar existindo após completar 10
ou 20 anos de sua existência; estranhamente, entretanto apenas os filiados
serão consultados (não importando o quantos sejam), e não a população como um
todo...
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* Agradeço a meu amigo Edi Morales Pinheiro
Júnior pela sugestão de assunto.
Excelente análise. Especialmente sobre Heloísa e Marina.
ResponderExcluirGrato por seu feed-back.
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