É a ciência capitalista e machista ou comunista e feminista-gayzista?
Quem me conhece
sabe, sou um apaixonado por ciência (ao ponto de, às vezes, me tornar chato por
buscar uma explicação científica para tudo, como salientou minha mulher, dia desses),
como tal, assim como para minha deficiência em aceitar falácias, é-me doloroso
assistir aos ataques desferidos contra a ciência. Não me entenda mal! Não só
acho plenamente aceitável como muito saudável ter uma atitude questionadora
quanto a qualquer coisa, e isso principalmente com o conhecimento científico,
mas dói-me sinceramente quando isso é feito através de falácias ou do pouco
conhecimento!
Quer um exemplo?
Afinal, a ciência é capitalista ou comunista? Depende... se a ciência lhe
contrariar e você for capitalista, ela é obviamente comunista, se ela lhe
contrariar e você for comunista, ela é obviamente capitalista...
Se você duvida,
basta ver a questão do aquecimento global por emissão de carbono. Nos Estados
Unidos, a direita tem constantemente propagandeado que toda a questão do
aquecimento global é uma forma que os comunistas encontraram para reduzir a
produção industrial e, assim, tirar o direito do povo de consumir; já no Brasil
é comum ver-se socialistas clamando que o aquecimento global é uma farsa
montada pelo capitalismo para impedir que os países do terceiro mundo consigam
se desenvolver e deixem de ser dependentes economicamente.
Mas como diria o
esquartejador, vamos por partes.
Ciência
de esquerda
Olavo de Carvalho |
Na extrema
direita, o exemplo mais caricato que conheço é o Olavo de Carvalho, o “filósofo
da quarta série”. Em seus pronunciamentos é comum vermos seus duros ataques aos
baluartes da ciência, e não pense que somente em temas “polêmicos” (entre aspas
por que só é polêmico entre leigos, não para a ciência) como o evolucionismo. O
astrólogo católico também ataca temas como heliocentrismo ou mesmo a mecânica
newtoniana, para ele fonte de “uma burrice formidável”. Olavo (e boa parte da
direita política) não tem dúvidas, a ciência é uma mentira criada por
comunistas e feministas-gayzistas para afastar a humanidade do caminho reto,
que passa pelo retorno da Inquisição que, segundo ele, não promoveu um atraso
no desenvolvimento científico, e pela elevação da astrologia a estudo
científico. O mais interessante, porém, é que Olavo pretende derrubar o
conhecimento científico usando apenas e tão somente a filosofia.
Entretanto, se é um dos
mais caricato, o filósofo-astrólogo e o catolicismo de direita não estão sós
nessa jornada! A ciência é comumente atacada por protestantes também, para quem
a ciência é uma armação de Satanás, pregando a dissolução das famílias, a
filosofia gay, o hedonismo, o satanismo... É comum ver tais afirmações em
discursos de pastores evangélicos, tais como Silas Malafaia ou o ex-presidente da
Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara de Deputados, pastor Marco Feliciano.
Ciência opressora
machista
Pierre Bourdieu |
Mas realmente a
ciência é comunista e feminista? Essa não é a opinião, por exemplo, de Attico
Chassot, para quem a ciência é essencialmente capitalista e machista; Chassot,
que é professor e pesquisador da IPA, tem até um livro que se chama “A Ciência
é Masculina? É Sim Senhora!”.
Chassot,
entretanto, não é exceção, o movimento conhecido como pós-modernismo prega
abertamente que a ciência é uma construção humana e social que não apresenta nenhum
conhecimento especial, devendo ser posta no mesmo nível de qualquer outra
construção social, e isso incluiria aquilo que hoje conhecemos como
superstição.
Para os pós-modernos, a ciência é
opressora das minorias, fazendo-o tanto de forma velada através de simbologia e
da violência simbólica, como quer Pierre Bourdieu (alguns pós-modernistas, por
exemplo, afirmam que o tubo de ensaio é um símbolo fálico da dominação
masculina no laboratório), quanto da formação de falsas verdades que
justificariam a dominação capitalista e machista.
Para esse
movimento, a biologia seria um espaço onde as desigualdades entre os sexos
(leia-se o machismo) seriam
naturalizadas através de pesquisas que demonstram, por exemplo, que o cérebro
masculino e feminino são estruturalmente distintos.
Ciência
e cientistas
Um martelo não é de direita ou esquerda |
“Mas afinal”,
talvez você esteja se perguntando, “de que lado você fica nessa luta?”. Eu,
caro leitor, cara leitora, fico do lado da ciência.
Explico, a
ciência é uma ferramenta para descoberta e desenvolvimento de conhecimento e
tecnologia; a ciência é sim um constructo humano, como querem os pós-modernos,
mas a ciência em si é neutra; a ciência não é machista, mas tampouco é
feminista; a ciência não é capitalista, mas tampouco é socialista! Afirmar que
a ciência carrega, em si, uma ideologia é o mesmo que dizer que um martelo
usado para reformar Wall Street é capitalista ou que a cadeira onde o Fidel
Castro senta é comunista. A ciência é neutra; cientistas, como qualquer outro
ser humano, têm paixões!
E mais, há sim cientistas
capitalistas, e há cientistas comunistas, assim como cientistas que são
anarquistas (um bom exemplo é Greg Graffin, antropólogo e geólogo, além de
anarquista e fundador da banda Bad Religion).
Há cientistas
ateus sim, assim como há cientistas cristãos, budistas, islâmicos, neopagãos, etc.
Sim, uma parte considerável dos cientistas é ateu, mas não por que a ciência
pregue o ateísmo (a ciência não “prega” nenhuma doutrina ou filosofia
religiosa), e sim por que sendo cientista você naturalmente tende a ser
racional (a ciência é baseada em observação e racionalidade), e sendo
racionalista você tende a não se enquadrar na maioria das visões metafísicas de
mundo, que são baseadas na fé, e não na razão.
Sim, há
cientistas machistas, assim como há cientistas feministas, há cientistas gays e
lésbicas, há cientistas assexuados...
Panaceia
Panaceia: deusa da cura |
O que precisamos compreender, de acordo com minha opinião, é que tais
ideias detratoras à ciência são baseadas no poder que a ciência tem em mostrar
que argumentos têm ou não fundamento no mundo real.
Pensemos; se você é um religioso fundamentalista deve realmente ser muito
doloroso quando pesquisas científicas demonstram que você não está correto
quando afirma, por exemplo, que o mundo surgiu em seis dias, que as espécies
surgiram todas prontas, que houve um dilúvio universal, que é possível curar possessões
demoníacas com medicamentos, etc.
Se você é socialista,
deve ser frustrante quando a ciência demonstra que “o bom selvagem” não existe
e que talvez exista sim muito de determinismo nas atitudes humanas e na forma
como as sociedades se estruturaram, mas por outro lado se você for capitalista
talvez fique contrariado quando a ciência demonstra que a natureza não é
somente competição, mas muito de colaboração.
Se você for
feminista deve ser irritante quando a ciência lhe diz que existem sim
diferenças entre homens e mulheres, que homens são estatisticamente mais
habilitados a algumas atividades, enquanto mulheres são estatisticamente mais
habilitadas a outras, quando pesquisas apontam que a personalidade não depende
tanto do ambiente quanto você afirma, relegando uma imensa carga aos genes ou
quando demonstra que machos no comando são comuns (embora hajam exceções) em
nossos primos primatas. Já se você
defende a homofobia ou a superioridade masculina, deve ser frustrante ver
pesquisas que demonstram que o homossexualismo é natural (no sentido de que
existe na natureza), ou que a ciência não vê como superior a mente masculina ou
feminina, embora como distintas.
Com tudo isso,
então, a ciência prega que a religião deva acabar, que a homofobia ou o
machismo estão certos ou errados ou que o capitalismo ou o socialismo estão
corretos? Não! À ciência cabe demonstrar, através de modelos, aproximadamente
como o mundo funciona (em uma aproximação que progride a cada nova descoberta),
cabe desenvolver novas tecnologias para velhos e novos problemas, não a fazer
juízos morais.
Cabe à ciência não
cabe dizer, por exemplo, se o aborto é certo ou errado, embora possa demonstrar
que fetos sem sistema nervoso central não têm como sentir dor; à ciência não
cabe dizer se você deve ser cristão ou ateu, embora possa demonstrar que uma
cura miraculosa foi causada por efeito placebo; à ciência não cabe dizer que o
correto é o machismo, embora possa demonstrar que homens têm estatisticamente
maior inteligência espacial, assim como não pode afirmar que o feminismo está
correto, embora possa demonstrar que o cérebro feminino consiga, na média, atentar
mais a detalhes e ter maior inteligência interpessoal. Não cabe à ciência dizer
que a homofobia é certa ou errada, embora ela possa dizer que homossexualismo
tem um forte componente genético... E sobretudo a ciência não pode dizer se
você deve consumir ou se deve ser independente dos grandes países, mas com
certeza ela pode demonstrar que o mundo está se aquecendo, e que há fortes
evidências de que isso está acontecendo por ação antrópica.
Em suma, ciência
é sim uma construção humana como qualquer outra, mas em sua tarefa de explicar
o mundo físico e desenvolver novas tecnologias é insuperável, em outras
palavras, para o fim a que a ciência se destina ela funciona, e de uma forma
superior às outras ferramentas desenvolvidas pelo homem; em suma, um martelo
pode ser somente uma ferramenta desenvolvida pelo homem, mas ainda assim é a
melhor ferramenta que desenvolvemos para pregar.
Isso não significa,
entretanto, que a ciência seja uma panaceia, que sozinha possa responder a
todos os anseios humanos, que possa dizer qual deva ser sua filosofia de vida,
sua visão religiosa ou em quem você deve votar na próxima eleição; para todas essas
questões, cientistas têm as mais diversas visões, mas todas baseadas em outras
ferramentas construídas pelo homem para esses fins específicos, e não na
ciência.
Excelente txto cara, Não sabia que vc escrevia, ta de parabens..
ResponderExcluirEntrei aqui precisamente procurando um texto que falasse sobre "Ciência Androcêntrica" a fim de compor um argumento contrário e o que encontro? Um belo, desapaixonado, conciso e claro texto em defesa da Ciência. A julgar pelos livros apontados no perfil, temos gostos e áreas de interesse muito afins. Além de ser gaúcho e ter 45 anos em 2014. Parabéns e obrigado, Carlos! Precisamos, os iluministas, de pessoas como você, que combatam com sobriedade os obscurantismos.
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