Chocante: descobri que não sou ateu...


Fiquei mais chocado que o Lasier na Festa da Uva...

Gente, não é incrível passar mais de 30 anos definindo-se algo e, de repente, sem mais nem menos, descobrir que está errado? Aliás, é ainda pior! Não ‘descobrir’ que está errado, mas descobrirem que você esteve se definindo errado o tempo todo?
Pois é, aconteceu comigo, acreditem… desde meus 11 ou 12 anos me definia como ateu, burro que sou! E por que fazia isso? Bem, porque após tomar contato com coisas díspares tais como outras religiões além da que fui criado, filosofia e, principalmente, ter me maravilhado com a ciência após esta ter me sido apresentada por Carl Sagan na série Cosmos; após ter lido os livros que existiam do Sagan, do Stephen Jay Gould e ter tomado contato com filósofos como Nietzsche, compreendi que haviam outras explicações para “isso tudo aí”, e que esta explicação não prescindia de uma divindade.
Fui crescendo mas, burro que sou, continuei a estudar e raciocinar; li a Bíblia, li o Corão, li o Bhagavad Gita, li o Livro dos Mortos tibetano e egípcio… mas li também Nietzsche, que só conhecia pela visão de outros, li Schoppenhauer, Russell, Foucault, Kant, Sartre, Bunge e Popper mas principalmente li Darwin, Leakey, Hawking, Einstein, Mayr… enfim, li tudo que me caiu nas mãos sobre filosofia e principalmente ciência e, burro que sou, cada vez mais me afundava na falsa crença de que eu era ateu!
Um dia, ainda adolescente, instigado por meu pai que me disse que não podia me definir ateu porque não conhecia “de verdade” a religião, acabei por frequentar e ler mais sobre o catolicismo, o kardecismo, o protestantismo (clássico e pentecostal), o budismo, o satanismo, o paganismo, os cultos afro-brasileiros… e advinha, burro que sou, sempre achando que a cada conhecimento novo estava, na verdade me descobrindo “mais ateu”…
Richard Leakey com fossil de Australopitecus: leituras de juventude
O tempo passou, muita água rolou sob a ponte e estou aqui, com quase meio século de vida quando esta semana, de repente, recebi a chocante revelação: não sou ateu! E quando digo chocante, estou falando de chocante mesmo (ok, sei que estou repetindo termos, mas daí você imagina o quão chocante, chocante digamos, em nível de Lasier Martins na festa da uva…). Chocante não só porque levei quase quatro décadas para descobrir, mas principalmente porque me foi revelado por – louvado seja ele – um completo estranho de internet…
Calma, se você está confuso eu explico… ocorre que eu estava numa daquelas inúmeras conversas que se tem nos facebooks da vida, discutindo com alguém que postou que tal candidato não poderia estar em um templo religoso porque era ateu. Expliquei educadamente que o tal candidato não era ateu, era católico, mas a pessoa me retrucou: mas o vice é ateu.
“Bom”, argumentei, “até onde eu sei o vice também é católico”, mas a pessoa me respondeu que não, que com certeza tratava-se de um ateu já que seguia tal vertente política… confesso que pensei em argumentar que pertencer a uma doutrina política não faz de você ateu, o que faz de você ateu é… não acreditar em deus! Mas não quis me envolver em tanta filosofia, talvez seja preconceito meu, mas achei que a pessoa não teria profundidade filosófica para compreender… vá lá, não tenho certeza mesmo da visão política desta pessoa, então argumentei:
“Olha, talvez seja ateu, mas isso não quer dizer que não possa comparecer a uma missa; eu mesmo já compareci em missa de sétimo dia pela morte do parente de um amigo, já compareci em batizado de sobrinho...” “Ah”, me respondeu ele, para minha surpresa, “então se você vai à missa você não é um ateu de verdade!”
Ok, talvez eu pudesse ter replicado que isso é a ‘falácia do escocês de verdade’, mas, como já disse, não queria me aprofundar filosoficamente, então lasquei: “Ih, cara, nada a ver, eu posso ir em missa católica, posso assistir culto evangélico, posso ir a um terreiro de candomblé ou posso tomar vinho consagrado a satã, embora isso tenha valor simbólico e sagrado para quem acredita, para mim vai ser um gesto com tanta importância religiosa quanto ir a um bar ou no correio”.
“Não”, me assegurou a pessoa, “você é que não sabe, você é crente! Você vai na missa porque acredita!” E daí por diante não adiantou mais argumentar, ele teve certeza que eu, na verdade, era um ‘crente enrustido’, e ainda foi apoiado em sua conclusão por outras pessoas que ingressaram na conversa.
Confesso que não é a primeira vez que me dizem que ‘não posso ser ateu’ devido a algo. Uma vez, me disseram que eu era uma pessoa boa e que, portanto, eu não era um ‘ateu de verdade’, era só um ‘revoltado contra deus’. Outra vez, uma amiga me disse que eu era o pior ateu que ela conhecia, pois eu não era desrespeitoso com religiosos; ela – que era religiosa – esperava que eu, como ateu, passasse a agredi-la verbalmente pelo simples fato de não concordar comigo, não adiantou nem argumentar que, embora ateu, não sou antirreligioso, contanto que a religião não tente interferir em minha vida ou nas leis do Estado, quem sou eu para dizer quem deve ou não seguir tal e qual religião. Depois de muito perguntar, ela acabou me contando que sempre esperava que ateus fossem agressivos, filhos-da-puta, desonestos e pedófilos pois, se não o fossem, como ela poderia combatê-los? Por isso ela me classificava como ‘o pior ateu que já conhecera’, pois ela não conseguia me usar como exemplo de como o ateísmo é maléfico...
 Mas alguém negar meu ateísmo, e ainda por cima me classificar de 'crente enrustido' foi a primeira vez, não é chocante? Será que devo desistir de ler An Appetite for Wonder, a biografia do Richard Dawkins que comprei na Amazon? Colocar uma camisa branca e uma bíblia debaixo do braço? Desistir da minha red ale e usar o dinheiro para o dízimo? Parar de participar do podcast Ciência no Velho Oeste e começar a pregar em praça pública??
Me aparece cada um…


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