Ciência no Velho Oeste: o uso de um podcast na divulgação científica


Trabalho apresentado no 10º Siepe Unipampa, Santana do Livramento, RS, em 06/11/2018, premiado como melhor apresentação oral na categoria Extensão. 
INTRODUÇÃO
Vacinas são, historicamente, o meio mais efetivo e seguro para se combater e erradicar doenças infecciosas, e quanto a isto há consenso científico (MANDAL, 2018), entretanto, mesmo com o consenso, crescem mundialmente os movimentos anti-vacina (HOTEZ, 2017); como isso é possível? Para Vasconcellos-Silva & Castie (2010), o problema se centra na saturação das informações advindas de meios e fontes plurais; sob o mantra das “versões equilibradas”, dizem eles, os ruídos e rumores de risco, amplificados pelo “efeito celebridade”, acabam gerando um ciclo de informações falaciosas que acabam ocupando os espaços reservados ao conhecimento científico. Vasconcellos-Silva & Castie (op.cit.) afirmam que tal é ainda mais preocupante quando se pensa tratar-se de saúde infantil, na qual decisões equivocadas podem levar a consequências adversas insuportáveis, e um bom exemplo disso nos é noticiado por Letra (2018), citando o crescimento em 400% nos casos de sarampo na Europa em apenas um ano (2017/2018), sendo que segundo a Organização Mundial da Saúde (2014) o sarampo é uma controlável através da vacinação.
O caso é que no meio ao caos de informação que vivemos, os médicos e órgãos de saúde tentam combater os movimentos “anti-vaxx” com estatísticas, pesquisas e outras informações baseadas em evidências (SHELBY & ERNEST, 2013), mas tais não são efetivos o suficiente para convencer pais hesitantes quanto à vacinação (op.cit.). O caso é que, como nos ensina Sagan (2006), nesse mundo em transição precisamos nos ensinar uma habilidade essencial: precisamos aprender a aprender, ou como nos esclarece Melo (2011), precisamos gerar interesse além de disponibilizar boa informação, quem não adaptar à competição entre informações divergentes estará fadado a não ser ouvido.
Ora, a comunicação pública da ciência é uma ferramenta essencial para levar à população o conhecimento que, frequentemente, fica aprisionado na academia, democratizando assim o conhecimento (NAOE, CARVALHO, PASSOS, 2009), sendo que esta divulgação, conforme Massarani (2002) deve ser voltada para públicos não especializados; assim, devemos procurar divulgar a ciência de modo a prestar um serviço à sociedade, tornando esta divulgação um bem público, desmistificando e transmitindo de maneira clara e compreensível temas científicos (SOUZA et al. 2013).
Com esta visão, de que a divulgação científica é um bem público, e de que esta deve ser feita de forma a democratizar o acesso ao conhecimento – tanto por traduzir termos técnicos para o leigo quanto por facilitar o acesso –, foi criado, em 2017, o projeto Ciência no Velho Oeste, que se constitui de um podcast de divulgação científica, sobre o qual tratamos neste trabalho.

METODOLOGIA
Barros & Ezequiel (2007) nos contam que o termpo podcast foi usado pela primeira vez em 12 de fevereiro de 2004 pelo jornalista Ben Hammersley em um artigo no The Guardian, referindo-se a programas gravados em áudio e disponibilizados na internet. Ainda segundo os autores, o termo vem da junção de Ipod (aparelho que reproduz MP3 produzido pela Apple) e broadcast (transmissão), podendo ser definido como um programa de rádio personalizado, gravado em formato digital, que pode ser armazenado em computador e ser disponibilizado na internet, vinculado a um arquivo de informação feed, permitindo que se assine os programas e recebendo as informações sem precisar ir ao site do produtor.
O Ciênca no Velho Oeste é um podcast criado pelo curso de Farmácia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) campus Uruguaiana e tem como objetivo dar visibilidade às pesquisas científicas realizadas neste campus e mostrar à comunidade que este não é um mundo distante, mas que as pesquisas aqui realizadas afetam diariamente a rotina dos ouvintes. O programa, com periodicidade inicialmente quinzenal e ora semanal, pode ser baixado por RSS ou acesso direto à página (https://ciencianovelhooeste.com/). A equipe fixa do programa é constituída por três professores do curso de Farmácia e dois alunos, sendo um do curso de Farmácia e outro do curso de Aquicultura; além destes há alunos de graduação que passam pelo projeto periodicamente, participando de alguns programas como forma de ampliar seu conhecimento na divulgação científica.
Os entrevistados do programa em sua maioria são professores e alunos da própria instituição, tratando principalmente das pesquisas em que trabalham, mas sempre tentando trazer estas pesquisas para a realidade do público em geral, tanto através da tradução de termos técnicos quanto da explicação da aplicação dos resultados das pesquisas no dia a dia dos ouvintes. Além destes, há episódios esparsos onde são entrevistadas pessoas da comunidade em geral, tratando de temas tão díspares quanto prevenção ao suicídio e criptomoedas, mas sempre voltando os temas ao interesse do público em geral e à sua realidade. Também são gravados alguns episódios entre os próprios integrantes da equipe, discutindo temas da cultura pop – ou seja, da cultura de massa midiática (KOBAYASHI, 2009) – tais como zumbis e ciência no cinema, ligando tais temas à ciência – tal como parasitas cerebrais em relação aos zumbis e como as representações de cientistas estão certas ou erradas no cinema.
O retorno dos ouvintes é feito tanto através do próprio site do programa quanto por e-mail ou redes sociais (Facebook e Instagram).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Contando atualmente com uma média de 1.500 downloads por episódio, o programa atinge um público variado, não restrito à Unipampa, sendo inclusive baixado em localidades tão distantes quanto o Alasca e o Wisconsin, além de ser baixado em vários estados brasileiros; este controle de downloads é feito pelo próprio RSS, que permite relatórios periódicos de acesso.
Conforme tratado na introdução, a digitalização da cultura, a veloz expansão das redes e a proliferação viral do mundo digital realizam mutações culturais e desafiam as políticas culturais atuais, frente a tal realidade, a divulgação de ciência deve acompanhar e propor políticas culturais para este expansivo e veloz mundo digital sendo este, sem dúvida, um dos maiores desafios da atualidade. (RUBIM, 2008). O podcast é uma ferramenta que se adapta bem a este desafio pois, como salientam Jham e colaboradores (2008), a essência desta mídia e a criação de programas para um público que quer ouvir o que quer, quando quer e como quer; para este público, salientam Jham et al. (op. cit.) a ideia de conseguir acessar informações sem estar conectado a um local físico é muito atraente. Estes autores ainda citam que o podcast está sendo usado de forma crescente como uma ferramenta para distribuição de informação por uma variedade de organizações a associações, incluindo universidades, instituições de pesquisa e periódicos científicos.
Já Bottentuit-Júnior & Coutinho (2007) salientam a importância dessa mídia afirmando que entre suas vantagens para a disseminação do conhecimento encontram-se o maior interesse na aprendizagem dos conteúdos, o fato de ser um recurso que ajuda nos diferentes ritmos de aprendizagem, visto que os mesmos podem ser escutados inúmeras vezes fim de melhor compreender-se o conteúdo abordado, e a possibilidade da aprendizagem tanto dentro como fora da escola. Bahia (2010), afirma que a mídia constitui-se de comunicação potencialmente eficiente para a construção de novas sociabilidades e aprendizagens. A isto junta-se o proposto por Porto & Moraes (2009), para quem a divulgação de ciência deve proporcionar uma multiplicidade de vozes; ora, o podcast proporciona isso pois, além do autor, há os entrevistados, que mudam a cada programa, e há os ouvintes que, de alguma forma, interagem seja com seu comentário ou buscando tirar dúvidas acerca do assunto. Isso pode ser percebido no retorno dado pelos ouvintes do Ciência no Velho Oeste, os quais têm expressado – via site e redes sociais – tanto sua opinião em relação aos assuntos tratados quanto expressado dúvidas e dado sugestões, inclusive de futuras pautas, ajudando assim na construção do próprio programa.
Por outro lado, os professores, tanto os que integram o quadro fixo do programa, quanto os entrevistados, podem dar ao público o retorno do investimento que a sociedade faz na universidade pública através da publicização tanto do conhecimento científico quanto das pesquisas realizadas.
Outro grupo que se favorece é dos estudantes, novamente tanto os que integram o quadro fixo quanto os entrevistados, que usam o programa como ferramente para desenvolver as habilidades de falar em público e de simplificar conceitos científicos para apresentá-los ao grande público, conseguindo assim comunicar o conhecimento de uma forma compreensível e assimilável, adaptada mesmo ao ouvinte leigo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto tem tido uma ótima aceitação entre os docentes e pesquisadores da instituição a que se vincula, tendo estes expressado avaliação positiva tando de suas próprias participações quanto de outros episódios ouvidos.
Face o exposto, consideramos que o podcast Ciência no Velho Oeste tem cumprido seu objetivo de gerar interesse no público em geral mantendo boa qualidade de informação. Conforme Carvalho e colaboradores (2014), a democratização do saber surge como um resultado natural dessa imensa aldeia global mediatizada pela internet, e nessa teia de repasse do conhecimento, o domínio da informação é o bem mais precioso a ser conquistado. Com isto em mente, pensamos que o projeto em pauta tem tido sucesso em aumentar o interesse da população em geral por ciência e tecnologia (C&T), fugindo do chamado jornalismo especializado, que atende à necessidade dos conglomerados de comunicação mas alija o grande público da comunicação (ABIAHY, 2000); em acréscimo, o podcast em pauta, além de cumprir o objetivo imediato de levar informações sobre C&T ao público em geral, ainda ajuda a preparar uma nova geração de comunicadores em ciência através dos alunos que participam do projeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABIAHY, Ana Carolina de Araújo. O jornalismo especializado na sociedade da informação. Universidade Federal da Paraíba, Biblioteca Online de Ciências da Comunicação [online]. João Pessoa, 2000. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/abiahy-ana-jornalismo-especializado.pdf>. Acesso em: 2 set. 2018.
BAHIA, M.V. Podcasting no ambiente virtual de aprendizagem moodle: uma pesquisa exploratória na educação on-line. 2010. Dissertação de mestrado em Educação, UNESA, Rio de Janeiro.
BARROS, G.C.; EZIQUIEL, M. Podcast: produções de áudio para educação de forma crítica, criativa e cidadã. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, vol. IX, n. 1, jan-abr/2007.
BOTTENTUIT-JUNIOR, J.B; COUTINHO C.P. Podcast em educação: um contributo para o estado da arte. In: Barca, A., Peralbo, M., Porto, A., Duarte da Silva, B. e Almeida, L. (Eds.) (2007). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. A.Coruña/Universidade da Coruña: Revista Galego-Portuguesa de Psicoloxía e Educación, 2007.
CARVALHO, A.M.G.; ARROYO, G.V.; PÁDUA, A.F.; RODRIGUES, L.S. Jornalismo científico em diferentes formatos: Portal Toque da Ciência. In: XI Ciclo nacional de pesquisa em ensino de jornalismo, 2014. Anais... Curitiba. . Acesso em 19 ago. 2018.
HOTEZ, P.J. How the Anti-Vaxxers Are Winning. The New York Times [online], 2017. Disponível em . Acesso em 2 set. 2018.
JHAM, B.C.; DURAES, G.V.; STRASSLER, H.E.; SENSI, L.G. Joining the podcast revolution. Journal of Dental Education, Vol. 72, N. 3, mar. 2008.
KOBAYASHI, E. O que é cultura pop?. Nova Escola [online], 2009. Disponível em . Acesso em 2 set. 2018.
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MASSARANI, L. A divulgação científica no Rio de Janeiro: algumas reflexões sobre a década de 20. Dissertação de mestrado, IBICT-ECO/UFRJ, Rio de Janeiro. 1998.
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NAOE, A.E.; CARVALHO, J.M., PASSOS, M.Y.R.S. Toque da Ciência: uma experiência em divulgação científica em podcast. 5° Congresso de Extensão Universitária da Unesp, Águas de Lindóia. Anais… Águas de Lindóia, 2009.
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SHELBY, A.; ERNEST, K. Story and science: how providers and parents can utilize storytelling to combat anti-vaccine misinformation. Journal Human Vaccines & Immunotherapeutics, Vol. 9, n. 8, 2013.
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WHO - World Health Organization. Measles Fact Sheet # 286. WHO [online], 2014. Disponível em . Acesso em 2 set. 2018.

Comentários

  1. Sou sim, com muita honra e orgulho interior e exterior!
    Sim sou machista. Sou um macho notável. E as mulheres apreciam bastante isso. Sou um macho alfa.
    Sim, eu assusto. Igual o trovão. Igual ao abismo. Igual a montanha grandinhosa. Sou um macho sublime.

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