Kéfera e o feminismo que interrompe
Kefera (esq): womansplaning e womanterrupting |
Se
você, como eu, já passou dos 40, é possível que nunca tenha
ouvido falar da Kéfera; se for o caso, talvez, como eu, você
devesse consultar a Wikipedia, foi lá que fiquei sabendo que essa
curitibana de 25 anos e uma atriz, vlogueira e escritora brasileira;
assim, acredito que seja muito conhecida por quem não nasceu pouco
depois da extinção do último megatério, como é meu caso...
Mas
como ia falando, nunca tinha ouvido falar da moça até poucos dias
atrás, quando vi uma certa comoção nas redes sociais em torno de
um debate ente a tal Kéfera e um rapaz em um programa apresentado
pela Fátima Bernardes (como um ser originário do Pleistoceno,
confesso que prefiro um bom livro a programas da TV aberta…) . Por
um lado, via pessoas nas redes sociais comemorando e dizendo que
Kéfera havia “sambado” na cara do moleque, por outro, pessoas
dizendo que ela teria sido extremamente rude e mal-educada. Confesso
(e acho que é outro hábito de quem quase viu a extinção das
preguiças-gigantes) que não me deixo levar pelas opiniões alheias,
prefiro sempre ver por mim e tirar minhas próprias conclusões.
Assim, rapidamente achei no Youtube o vídeo da tal discussão, que
ocorreu no programa Encontro do dia 13 de dezembro de 2018.
Nele,
debatia-se como as atuais gerações encaram o feminismo, e tudo ia
bem até a apresentadora chamar um jovem da platéia, chamado Walace,
e pedir-lhe a opinião. Nem bem o rapaz começa a expressá-la e é
interrompido pela Kéfera, dizendo que ele não teria “lugar de
fala” ali, e que ele estaria fazendo mansplaning,
explicando logo do que se trata o termo. O jovem ouviu o que a
curitibana tinha a dizer e, tão logo esta parou de falar, tentou
prosseguir dando sua opinião, sendo logo interrompido novamente, com
Kéfera afirmando que, agora, ele fizera manterrupting,
tomando de vez a palavra e impossibilitando que Walace desse sua
opinião.
Tendo
assistido ao vídeo, considerei o caso bem sintomático e, destarte,
optei por dar aqui minha opinião sobre o assunto. Ok, talvez você,
caro leitor, cara leitora, possam estar pensando que ninguém pediu
minha opinião, mas lembre-se: este é meu blog pessoal e, portanto,
meu lugar de fala…
Vamos
primeiro criar um léxico mínimo para entender o linguajar usado por
Kéfera:
Mansplaning
seria quando um homem tenta explicar o que uma mulher acabou de falar
ou que ela já sabe, partindo do pressuposto de que a mulher não
entende nada sobre o assunto.
Manterrupting
seria quando um homem
interrompe uma mulher falando e não deixa que ela termine seu
raciocínio.
Vamos
pensar um pouco… seriam esses termos meramente “mi mi mi” como
querem alguns? Não existem realmente Homo sapiens
machos que pensam que só por ter um pênis são automaticamente mais
inteligentes ou têm mais direito a expressar sua opinião do que uma
mulher? Se você disser que não, caro leitor, você estará sendo,
no mínimo, desonesto! É claro que o machismo existe, e muitas vezes
não se expressa pela violência física, mas sim pelo desdém pelo
sexo oposto, como se a mulher fosse um “homem mal acabado”. O
machismo existe sim, e é tremendamente prejudicial à sociedade!
Posto
isso, entretanto, não dá pra considerar que todo o homem
automaticamente cometa os tais mansplaning e
manterrupting, da
mesma forma que, ao menos no caso da Kéfera, dá pra considerar que
houve womansplaning e
womanterrupting! Se
não, vejamos:
Ela
começou dizendo que o rapaz não podia manifestar sua opinião por
ali não ser seu lugar de fala… mas, espera aí… um programa da
TV aberta voltada a todos os públicos – que segundo a emissora é
“uma
mistura de jornalismo, informação, humor e música” – não é
lugar de homem falar? E
mais, Walace só começou a dar sua opinião por ter sido incitado
por outra mulher, a apresentadora do programa, Fátima Bernardes!
Quer dizer que, como o assunto é feminismo automaticamente homem não
tem direito a ter opinião?
Mas
não parou por aí, quando falou que ele não teria direito a falar
por ser homem, Kéfera ainda complementou dizendo que ele fizera
mansplaning,
ou
seja, a considerara burra – e por extensão ele inteligente – e
começara a explicar algo que ela já sabia, logo passando a explicar
pro rapaz o que era mansplaning…
ou
seja, Kéfera concluiu que o rapaz era burro e não poderia saber o
que significava mansplaning
a
não ser que um ser iluminado como ela explicasse…
Mas
não parou por aí! Walace ouviu atentamente o que a moça tinha para
lhe dizer, mesmo tendo sido interrompido, e só tomou novamente a
palavra quando ela terminou (se duvidar, veja o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=ejvNO0p65A8&t=47s), ao que ela
novamente o interrompe e com novo womansplaning
diz
que ele agora fizera manterrupting,
explicando em seguida – já que, na opinião dela o rapaz era
inepto – do que trata o termo.
Conversei
com uma menina feminista sobre o assunto e ela me explicou que o que
a Kéfera fez não “é o feminismo, mas apenas uma de suas
vertentes, pois não existe ‘feminismo’, mas ‘feminismos’:
feminismo liberal, feminismo interseccional, feminismo negro,
feminismo radical, feminismo comunitário e tantos outros.”
Confesso
que concordo em parte com o argumento, realmente não existe “um
feminismo”, mas sim “feminismos”, mas a questão é que existe
também algo chamado ‘sororidade’ que consiste – com o risco de
ser considerado mansplaning por ter sido explicado por um
homem – no companheiros, na união, na empatia e no não julgamento
entre as próprias mulheres, além da ausência de crítica de uma
mulher por outra para o resto da sociedade.
Quando
falo que a sororidade – que em si é algo positivo, pois dá força
ao movimento feminista – é problemático quando se fala críticas
ao feminismo, o digo porque como se pode criticar uma parte do
movimento deixando outras de fora se o mesmo movimento busca se
apresentar como um bloco único, onde uma parte não critica a outra?
Acredito que as feministas critiquem os movimentos feministas com os
quais discordam, mas o fazem somente dentro dos seus próprios
círculos, quase como o faz, por exemplo, a Igreja Católica. Assim,
do mesmo modo que existem padres que certamente acham monstruosa a
pedofilia, mas que por não criticar abertamente padres que a cometem
acabam sendo colocados no mesmo balaio, certamente há feministas que
não enxergam alguém que nasceu com pênis e gosta do sexo oposto
automaticamente como inimigo, ou como alguém que vai interromper
quando se fala, ou como alguém que não se pode falar, mas estas
acabam sendo postas na vala comum com Kéfera e com outras radicais
pelo simples fato de se recusarem a admitir que estas estão erradas,
ainda que pensem que estejam!
Posso
até estar errado, mas para mim, nerd primata do Pleistoceno, isso
não se diferencia dos meus companheiros de sexo que pensam que um
homem está sempre certo pelo simples fato de ser um homem. Para mim,
homem ou mulher, você deve ter o direito de se expressar livremente
(claro que dentro dos limites da civilidade), de fazê-lo sem ser
interrompido e de não ser considerado estúpido ou burro só por ser
diferente, bem como o direito de não ser visto como inimigo só por
não ser “do sexo certo”.
Mas você não está errado! Excelente texto!
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