O uso do podcast na construção e divulgação do conhecimento
Trabalho apresentado no XI Encontro sobre Investigação na Escola, Bagé/RS, dias 13 e 14 de julho de 2012
1 CONTEXTO DO RELATO
O sociólogo e
filósofo Frei Betto nos diz que uma das principais razões do capitalismo ter
vencido a queda de braço contra o chamado socialismo real está no fato de que
este último sempre se preocupou em matar a fome de pão, enquanto o sistema
capitalista busca, mesmo mantendo a fome de pão, saciar nossa fome de beleza.
Betto prega que o ideal seria um sistema que unisse o melhor dos dois mundos:
que matasse a fome de pão e ao mesmo tempo saciasse a fome de beleza.
Freire
(1970), nos diz que a educação contribui para o aprimoramento da vocação
ontológica dos seres humanos. Meditando sobre a aplicabilidade do conceito em
educação, principalmente face às cada vez mais onipresentes tecnologias da
informação e comunicação (TICs), foi que desenvolveu-se o presente relato. A
fim de repensar o uso das TICs, mais especificamente sobre a divulgação e
construção de informações, através do uso de podcasts, aproveitando o atrativo da tecnologia para “matar” a fome
de beleza, enquanto seu uso nos auxilia a saciar a fome pelo pão do
conhecimento. Vivemos num contexto em que tudo
precisa ser aprendido com muita rapidez, pois com a mesma intensidade
mudam as informações. A denominada Geração Z, que nasceu em meio a esta
revolução, vê-a com naturalidade, ao contrário da geração de seus pais e
educadores, o que torna, por vezes, os aprendentes menos suscetíveis ao
respeito pela autoridade, enquanto os professores se espantam com os padrões
educacionais que se deterioram. Nesse mundo em transição, tanto os estudantes
quanto os professores precisam ensinar a si mesmos uma habilidade essencial –
precisam aprender a aprender (SAGAN, 2006).
Há mais de 25 anos sou usuário de informática.
Utilizo a ferramenta no dia-a-dia para muitas tarefas, incluindo o lazer. Neste
sentido, semanalmente, ouço diversos podcasts,
termo que, segundo Barros (2007), vem do laço criado entre Ipod – aparelho
produzido pela Apple que reproduz arquivos eletrônicos de audio – e broadcast (transmissão), podendo
defini-lo como sendo um programa de rádio personalizado, gravado em formatos
digitais e disponibilizados na Internet.
Bottentuit
Júnior (2007) salienta a importância dessa mídia afirmando que entre suas
vantagens para a educação encontram-se: o maior interesse na aprendizagem dos
conteúdos, devido a uma nova modalidade de ensino introduzida na sala de aula;
o fato de ser um recurso que ajuda nos diferentes ritmos de aprendizagem dos
alunos, visto que os mesmos podem escutar inúmeras vezes um mesmo episódio a
fim de melhor compreenderem o conteúdo abordado; e a possibilidade da
aprendizagem tanto dentro como fora da escola.
Ocorre que, a
partir do estudo de alguns dos programas que escuto com regularidade, chamou
minha atenção à disparidade na quantidade de downloads em programas que tratam do mesmo tema. Para este caso de
estudo, utilizarei como exemplo programas sobre evolucionismo divulgado por
três sites diferentes: o NerdCast[1],
realizado pelos empresários David Pazos e Alexandre Ottoni, e os podcasts
institucionais Rock com Ciência[2] ,
realizado pelo Departamento de Biologia da Universidade Federal de Viçosa-MG, e
Fronteiras da Ciência[3],
concretizado pelo Departamento de Física da Ufrgs.
Os três
programas, lançados com pouco mais de um ano de diferença, trazem especialistas
na área, discutem evolução, em minha opinião, de forma competente, que permite
ao ouvinte, se não tornar-se um especialista – até porque não é o intuito de
nenhum dos podcasts –, ao menos
aguçarem a curiosidade para o tema, ao final indicando possibilidades de
aprofundamento do mesmo. A única diferença está na quantidade de acessos, pois
enquanto o primeiro teve mais de 200 mil downloads,
o segundo ficou com aproximadamente 2 mil e o terceiro com pouco mais de 2,4
mil.
De onde nasce
esta disparidade nos acessos se a qualidade informativa dos três programas é
tão próxima? Em minha opinião, nasce da ideia proposta por Frei Betto, pois dos
três, somente o primeiro “mata” a fome de beleza, além da fome de conhecimento.
Basicamente,
o Fronteiras da Ciência e o Rock com Ciência, realizados por professores
universitários, são aulas virtuais sobre o tema, apresentando-o de forma
competentíssima, mas – na opinião deste autor– pouco atrativa para o público
leigo, especialmente para a chamada ‘geração Z’, que cresceu em um mundo de
informação fácil e superficial, desabituada da leitura e do acompanhamento de
documentários ou programas educativos.
O Nerdcast,
por outro lado, apresenta o tema em meio a brincadeiras, com uma conversa
descontraída, no estilo ‘papo de bar’, que atrai o público leigo,
possibilitando levar a informação a um público que, de outra forma, não se
interessaria, mas que, a partir da audição do programa pode, ao menos, ter o
conhecimento mais básico, podendo desta forma vir a se interessar pelo tema.
Concordamos
com Shitsuka (2007), para quem o uso das tecnologias na área educacional
possibilitará cada vez mais o acesso a múltiplas fontes de informação,
propiciando um enriquecimento no processo formativo dos envolvidos. Pensamos,
porém, que tal somente se dará se as ditas tecnologias forem utilizadas de
forma a gerar interesse, além de disponibilizar boa informação, pois a
concorrência pela atenção na dita blogsfera
é imensa, sendo que a maioria dos sites não tem qualquer intencionalidade
educacional. Caso as ferramentas educacionais não se adaptem para a competição,
pensamos que estarão fadadas a perder o espaço para quem “matar” a fome de
beleza, ainda que não a de conhecimento, o que seria realmente lamentável tendo
em vista as possibilidades que as TICs abrem para a divulgação e construção de
conhecimento a um público amplo, tanto dentro quanto fora da sala de aula.
Tal opinião
baseio tanto no conhecimento que adquiri pela escuta semanal dos programas
supracitados (além de outros), como pelo uso que já fizemos dos mesmos na
Universidade; pois em diversas ocasiões, por sugestão minha, professores usaram
programas, sobre temas como biologia, geologia, evolucionismo (inclusive os
aqui apresentados), genética, microbiologia e outros, tendo estes boa aceitação
por parte dos demais aprendentes, sendo que alguns passaram, igualmente, a
acessar os casts semanalmente.
BARROS, Gílian C; MENTA, Eziquiel. Podcast: produções de áudio para educação de forma crítica, criativa e
cidadã. Revista de Economía
Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, vol. IX, n. 1,
ene. – abr. /2007
BETTO, Frei. Fome de Pão e de Beleza. São Paulo: Editora Siciliano, [199--?]
BOTTENTUIT JUNIOR, João Batista;
COUTINHO Clara Pereira. Podcast em
educação: um contributo para o estado da arte. Disponível em .
Acesso em 16 de junho de 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1970.
MORAN, José Manuel. As mídias na educação. Disponível em .
Acesso em 16 de junho de 2011.
SAGAN, Carl. O Mundo Assombrado pelos Demônios. São Paulo: Companha das Letras,
2006.
SHITSUKA, Ricardo, et al. Tecnologia de informação em educação. Revista
científica FAMEC/FAAC/FMI/FABRASP. Ano 6 - Número 06, páginas 112-121, 2007.
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