Um prego no caixão
Comemorando o
Halloween, essa semana temos que contar, na aula de inglês, um conto de terror.
Eu escolhi uma história folclórica gaúcha, que meu avô me contava. Abaixo estão
a versão em português e a tradução para o inglês, ambas escritas por mim.
***
Essa era uma
história que meu avô me contava, sempre salientando que era um “causo verídico
acontecido”. Não que ele tivesse conhecido o personagem principal, mas segundo
ele, conhecera um dos apostadores.
Pois contava
meu avô que Tibúrcio era um homem valente, veterano da guerra de 1835. Era
respeitado, mas era também um fanfarrão.
Alto e forte,
dizia a quem quisesse ouvir que não tinha medo de nada nem de ninguém, por
qualquer coisa brigava e dizia que já tinha montado em boitatá e capado
lobisomem.
Os amigos só
ouviam, raramente retrucavam, pois tinham medo do temperamento explosivo de
Tibúrcio.
Era um dia de
inverno, em que o minuano, um vento que vem do polo sul e sopra gelado,
assoviando sua canção uuuuuuuuuuuuuu, que muitos antigos diziam ser a voz de
almas penadas. Em um bolicho, bebendo cachaça com os amigos, Tibúrcio se gabava
de seus feitos, sempre é claro com exagero; se a luta fora na verdade com dois
homens, esses se transformavam em 20, se ele na verdade deu um corte no
pescoço, em sua história a cabeça do inimigo tinha voado e caído a cinco
metros. Todo mundo ouvia, entre o incrédulo e o divertido, até que Tibúrcio
apelou pro sobrenatural, e contou a vez em que, dizia ele, tinha domado uma
mula-sem-cabeça. Aquilo foi demais!
“Tu ficas
contando essas histórias”, disse um dos ouvintes, “tá certo que tu és valente,
mas domar assombração?”
“Pois se estou
lhe contando, seu”, retrucava Tibúrcio, sério, como a dizer que duvidar dele
podia ser perigoso.
Mas dessa vez
os amigos não se intimidaram e uma discussão se instalou sobre como é diferente
não ter medo de luta e não ter medo de assombração.
A discussão
corria solta, quase se transformando em luta, quando uma voz foi ouvida do
fundo, era Anaurelino, o mais velho dentre eles, e por isso o mais respeitado.
A voz dele não soou alta, mas fez todos se calarem:
“Bueno,
Tibúrcio, então você afirma que não tem medo de assombração, do mesmo jeito que
não tem medo de briga?”
Tibúrcio cofiou
a barba: “Mas claro, seu Anaurelino!”
“E vocês
duvidam?”, questionou à audiência, que aquiesceu iniciando uma nova discussão,
até que a voz de Anaurelino calou todos novamente.
“Pois é muito
fácil saber quem está certo”, disse ele a todos, “que tal uma aposta?”
A face
confiante de Tibúrcio por uns momentos virou de preocupação, a verdade é que
tinha muito medo de assombração, mas a solução logo lhe veio à cabeça: e onde
iam conseguir uma assombração para provar que ele estava mentindo. Com novo
ânimo retrucou:
“Mas seu
Anaurelino, e onde vocês vão conseguir uma assombração?”
Todos
concordaram ruidosamente.
“Não é
preciso”, respondeu o veterano, “eu tenho a coisa certa. Tu tens que ir à meia
noite de hoje, no cemitério e entrar no jazigo dos Monteiros”.
Todos se
admiraram da sagacidade do velho. O jazigo dos Monteiros era famoso por ser o
repouso final do coronel Zé Monteiro, veterano de muitas guerras e que,
dizia-se, tinha pacto com o demônio.
Tibúrcio
novamente engoliu em seco. Ir ao cemitério, à meia noite? E entrar no jazigo
dos Monteiros? E sozinho? Mas espere! Se ele tinha medo os outros também
tinham:
“Bueno, e quem
vai comigo para confirmar que realmente fui?”
Todo mundo
recuou, queriam desmascarar o Tibúrcio, mas não o suficiente para se atreverem
a uma coisa dessas!
Novamente foi
Anaurelino quem deu a solução:
“Mas não
precisa ninguém ir junto, Tibúrcio, basta que pregues um prego no caixão do Zé
Monteiro, daí tu provas que estivestes lá!”
Tibúrcio não
estava nem um pouco contente, mas fora desafiado e sabia que não podia recuar,
pois então toda sua fama de valente iria por água abaixo...
“Bueno”, disse
ele, quase num fio de voz, “e o que vale a aposta?”
“Uma garrafa da
melhor canha!”
A noite ia
muito fria, sem lua, e o minuano soprava seu lamento fantasmagórico que, por
si, já arrepiaria um homem valente. Tibúrcio tremia à porta do cemitério; sabia
que não era de frio, seu poncho atacava o frio, tanto que suas mãos estavam
suadas, mas de puro medo. A vela que trouxera para iluminar o caminho não
permanecia acesa com o minuano. Mas sabia que não podia recuar. Respirou fundo
e adentrou ao campo-santo.
Tentando não
olhar pros lados para não ser surpreendido por nenhuma alma penada, caminhou
até o jazigo dos Monteiros, alto e destacado, como se a família mais rica e
poderosa do local quisesse seguir mandando nos outros mesmo depois de morta.
Suas mãos
tremiam quando abriram a porta. Seus passos pareceram fantasmagóricos no espaço
apertado, seu coração disparava, e o lamento do minuano uuuuuuuuuuuuu tornava o
lugar ainda mais assustador. Tentou novamente acender a vela, novamente o vento
não deixou.
“Bueno”, disse
a si mesmo, “que seja”. Chegou ao caixão do Zé, tocou-o com muito temor.
“Perdão”, pediu ao morto, chegou mais perto, ainda sem enxergar quase nada,
colocou o prego e o pregou o mais rápido que pode, para escapar logo dali.
Terminada a faina, largou o martelo no chão e decidiu correr dali. Deu dois
passos e algo lhe puxou o poncho com força. Seu coração disparou. Olhou para
trás, algo no caixão segurava seu poncho, mas estava escuro demais para saber o
quê... sentiu todo o corpo tremer e o coração parecia que iria sair-lhe da
boca. Puxou o poncho com mais força do que podia, o caixão moveu-se no jazigo,
a força que segurava seu poncho com certeza vinha do caixão, e não iria
permitir que partisse sem que pagasse pelo pecado de atrapalhar o sono eterno
dos outros. Sentiu então um gosto acre na boca, seu braço esquerdo doía e
estava dormente, a vista escureceu e Tibúrcio caiu ao chão.
Na manhã
seguinte, quando os amigos de trago foram ao jazigo, encontraram Tibúrcio morto
ao chão, ataque cardíaco. Ainda assim, tiveram que reconhecer, era um homem
valente, pois pregado ao caixão do Zé Monteiro estava o prego que lhe exigiram,
com o pequeno porém de que o poncho de Tibúrcio, no escuro, fora pregado
junto...
Meu avô
finalizava a história dizendo que Tibúrcio fora sepultado com honras de herói,
e em seu caixão, uma dúzia de garrafas da melhor cachaça, pois ninguém queria
deixar de pagar a aposta e arriscar a ser assombrado pela alma penada de um
homem valente.
A Nail in a Coffin
This is a
story that my grandfather told me, always stressing that it is a
"veritable tale happened." He hadn’t known the main character, but he
said he met one of the punters.
My
grandfather told me that Tiburcio was a brave man, a veteran of the War of
1835. He was respected, but was also a braggart..
Tall and
strong, he told anyone who would listen that he was not afraid of anything or
anyone, he fought just for fun and said that he had already mounted the boitatá
and gelded a werewolf.
Friends listened,
and only rarely retorted, for they were afraid of the temper of Tiburcio.
It was a
winter day, and the minuano a wind from the south pole which blows cold, whistled
his ghostly song uuuuuuuuuuuuuu that many ancients said to be the voice of lost
souls.
In a saloon
drinking cachaça, a Brazilian brandy, with friends, Tiburcio boasted of his
accomplishments, always of course with exaggeration. If the fight was actually
two men, they turned into 20: if he actually gave a cut to the neck, Tiburcio
said the enemy's head had flown to five yards. Everyone listened, between awe
and fun until Tiburcio appealed to the supernatural, and told of about the time
when had tamed a mule-without-head. That was too much!
"You
stay telling these stories," said one of the listeners, "that's right
you are brave, but taming a haunting?"
"I'm
telling you", retorted Tibúrcio, seriously, as to say that doubting him
could be dangerous.
But this time
the friends were not intimidated and settled a discussion about how different
it is not to be afraid to fight, and not to be afraid of ghosts.
The
discussion flowed loose, almost turning into a fight, when a voice was heard in
the background, it was Anaurelino, the oldest among them, and therefore the
most respected. His voice did not sound loud, but it made everyone shut up:
“Bueno,
Tiburcio, then you say you have no fear of ghosts, the same way that you are
not afraid to fight?”
Tiburcio
stroked his beard: "Of course, Mr. Anaurelino!"
"And you
doubt him?" He asked the audience, who nodded starting a new discussion,
until the voice of Anaurelino silenced all again.
"Since
it is very easy to know who is right," he said to all, "how about a
bet?"
The confident
face of Tiburcio turned for a moment of concern, the truth is that he was very
much afraid of ghosts, but the solution immediately came to mind: where would they
get a haunting to prove that he was lying? With new courage he replied:
“But Mr.
Anaurelino, where you will get a haunting?”
All agreed
loudly.
"No
need," replied the veteran, "I have just the thing. You have to go at
midnight today, the cemetery and enter the tomb of Monteiros ".
Everyone
admired the wisdom of the old man. The tomb of Monteiros was famous for being
the final resting place of Colonel Zé Monteiro, veteran of many wars, and it
was said, he had a pact with the devil.
Tiburcio
again swallowed hard. Go to the cemetery at midnight? And enter the tomb of
Monteiros alone? But wait! If he was afraid the others were too:
“Bueno, and
who is going with me to confirm that I really will go?”
Everyone
retreated, they wanted to unmask the Tiburcio, but not enough to dare such a
thing!
Again it was
Anaurelino who gave the solution:
"But do
not need anyone to go with, Tiburcio, you just need to hammer a nail in the
coffin of Zé Monteiro, hence you prove that you have been there!"
Tiburcio was
not a little pleased, but was challenged and knew he could not back down,
because then all his valiant fame would fall ...
“Bueno”,
he said, almost in a faint voice, "and what is the bet?"
“A bottle of
the best cachaça!”
The night was
very cold, moonless, and Minuano blew his ghostly wail that by themselves may
bristle a brave man. Tiburcio trembled at cemetery gate, he knew it was not
cold, the cold was attacked his poncho, so that his hands were sweaty, but pure
fear. The candle he had brought to light the way not remain alight with the Minuano.
But he knew he could not retreat. Deep breath and entered the cemetery.
Trying not to
look sideways to not be surprised by any ghost, walked to the tomb of Monteiros
high and prominent, as the richest and most powerful family of the place wanted
to follow in ordering others even after her death.
His hands
trembled when he opened the door. His footsteps seemed to ghostly in the
cramped space, his heart was racing, and it regrets the Minuano uuuuuuuuuuuuu
made it even scarier. He tried again to light the candle; the wind did not
leave again.
“Bueno,
that is,” he said to himself. He arrived at the coffin of Zé, and he touched it
with great fear. “I beg your pardon!”, he said to the dead man, he came closer,
he still without seeing almost nothing, he put the nail and preached as fast as
he can to escape from there soon. After the toil, he dropped the hammer on the
floor and decided to run away. He took two steps and something pulled his
poncho strongly. His heart raced. He looked back, something in the coffin was
holding his poncho, but it was too dark to know what... He felt the whole body
trembling and heart felt like it would come out of his mouth. He pulled the
poncho with more force than he could, the coffin moved into the tomb, the force
that held his poncho surely came from the coffin, and it would not allow him to
leave without pay for the sin of disturbing the eternal sleep of others. He
felt then an acrid taste in his mouth, his left arm was numb and hurt, his
looking darken and Tiburcio fell.
The next
morning, when his friends were to the tomb, Tiburcio was found dead on the floor,
he had a heart attack. Still, they had to admit, he was a brave man, because he
nailed the coffin of Zé Monteiro the nail that they demanded, with the detail
the poncho of Tiburcio, in the dark, was nailed together ...
My grandfather finished off the story by saying that Tiburcio was buried
with the honors of hero, and in his coffin, a dozen bottles of the finest rum,
because nobody wanted to fail to pay the bet and risk being haunted by the
ghost of a brave man.
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