Veganismo é religião?

Sou ateu há mais de 30 anos, e nesse período não foram poucas as vezes em que fiquei abismado com as religiões. Claro que não são todas, há sim exceções, mas boa parte das religiões têm um pé na boa vontade, outro no autoritarismo. Coisas como “se você pensa diferente, então você está errado” ou “se você não acredita em minha religião você é mau”, por exemplo, são bastante comuns no discurso religioso fundamentalista.
Faz pouco, entretanto, que me deparei com uma religião relativamente nova, o veganismo, especialmente no grupo “passeata de pessoas que estão de bacon a vida” (https://www.facebook.com/events/1519510675003361), evento fake criado no facebook.
Religião? Talvez questione o leitor; sim, religião, e fundamentalista, terei que lhe responder, uma religião sem deuses ou politeísta, dependendo de como você quiser encarar, mas uma religião, como inclusive o demonstra a imagem que ilustra este texto, uma camiseta vegana vendida aqui mesmo no Brasil.
Mas nem só de camisetas vive a religiosidade vegana, diria até que os pontos de contato com religiões fundamentalistas são muitos; vamos a alguns exemplos:
Na internet é bastante comum a invasão de páginas atéias por religiosos fundamentalistas para pregar o arrependimento e a conversão à religião; se você argumentar que este não é um espaço para religiosos, eles não se importarão, seguirão pregando e te etiquetarão com termos depreciativos, de idiota a demoníaco. Bom, basta dar uma olhada na comunidade “de bacon a vida” para nos depararmos com uma verdadeira ‘invasão’ de veganos pregando, não se importando se você diz que esta foi uma comunidade criada para consumidores de carne e te chamando de idiota ou de demoníaco se você pensa diferente...
O uso e abuso por parte dos religiosos fundamentalistas de frases tais como “você não acredita em deus, depois não sabe por que tem uma doença grave ou câncer” é perfeitamente espelhado pelos veganos em sua pregação de que “você não é vegano, depois não sabe por que tem uma doença grave ou câncer”.
A um religioso fundamentalista não basta que você não combata sua religião, que o deixe livre para segui-la; você tem, obrigatoriamente na opinião dele, que seguir esta religião, e é comum o pensamento de que “quem age diferente dos preceitos de minha religião é imoral”. Basta uma passada rápida de olhos pela comunidade “de bacon...” para ver os veganos fazendo o mesmo; não basta que você os deixe livre para serem veganos, você tem, obrigatoriamente na opinião deles, que seguir o veganismo, e é comum o pensamento de que “quem age diferente dos preceitos do veganismo é imoral”; ou seja, ambos se guiam pela máxima de que não, você não tem liberdade de pensar e agir como você quer ou como você acha correto, você TEM que agir como EU quero e acho certo! Também seguem o pensamento autoritário de que “não há possibilidade de eu estar errado ou de você estar certo”, ou mesmo de que seus valores morais possam ser relativos.
Até mesmo o mesmo tipo de argumentos falaciosos os veganos e os religiosos fundamentalistas
usam. Um bom exemplo é o da inversão do ônus da prova (para quem não conhece, consulte https://www.youtube.com/watch?v=86vUvWOvf3A&list=PL7298E65F62E9A957&index=4). É bastante comum, por exemplo, ver religiosos fundamentalistas dizerem que “você não pode provar que deus não existe, portanto ele existe”, trazendo total inversão do ônus da prova, pois este recai sobre quem faz a afirmação, não sobre quem duvida dela. Dia destes, quando uma vegana na comunidade supracitada apresentou argumentos favoráveis ao veganismo, pedi evidências dos mesmos e, adivinhe... a resposta foi “você não pode provar que o que estou dizendo não é verdade, portanto é verdade”...


Moralidade aboluta

Também é comum nos fundamentalistas religiosos, quando afirmam a moralidade da religião e se mostra um religioso que não segue esta moralidade, afirmar que “se um religioso age assim como você está dizendo, então ele não é um religioso de verdade”, utilizando-se de outra conhecida falácia denominada falácia do escocês de verdade (para quem não conhece, consulte https://www.youtube.com/watch?v=JfldV9HOPHs&index=8&list=PL7298E65F62E9A957) . Dia destes, em um dos debates no “de bacon...”, falando com uma vegana disse que conhecia veganos que não eram tão fundamentalistas, que eles aceitavam que outros pensassem diferente (sim, também há veganos que não são fundamentalistas) e a resposta dela? Adivinha... “Se um vegano age assim como você está dizendo, então ele não é um vegano  de verdade”!
Mas o fator em comum que considero mais interessante entre fundamentalistas religiosos e veganos é a máxima “se a ciência apoia o que digo, divulgo e vanglorio; se a ciência pensa diferente, quando não consigo esconder, denigro”. Em religiosos fundamentalistas é bastante comum quando você apresenta, por exemplo, as evidências da evolução, a falta de evidências de um dilúvio, que diversas pesquisas arqueológicas contrariam o texto de seu livro sagrado... ao mesmo tempo, eles se vangloriam ao afirmar que o big-bang seria o “faça-se a luz”, dizendo que “evolução é só uma teoria” ou nas vezes em que pesquisas arqueológicas coincidem com o texto de seu livro sagrado.
Em veganos, sempre que há uma pesquisa que afirma “consumo de carne vermelha pode causar câncer”, eles não só divulgam como ainda fazem sua interpretação fatalista: “se você consumir carne inevitavelmente terá câncer”; entretanto, se uma pesquisa diz que o consumo de carne é benéfico, se não podem esconder a pesquisa, então a pesquisa é “patrocinada pela indústria da carne” (prova disso? Pra quê???).
Da mesma forma, é comum veganos afirmarem coisas como “é claro que não somos carnívoros, mas sim herbívoros, pois não temos garras, não temos caninos imensos, temos dentes chatos e intestino longo como as vacas.”, ignorando não só o fato de que, segundo a biologia, não somos nem um nem outro, mas onívoros, como que chimpanzés e canídeos tampouco têm dentes como os dos felinos, ambos têm molares chatos como os nossos, mas ainda assim consomem carne, como também que intestino longo não define dieta; ursos polares, exclusivamente carnívoros, os têm, enquanto pandas, exclusivamente herbívoros, têm um intestino curto.


Fenótipo extendido
Ferramentas de caça: fenótipo extendido
Também é comum a afirmação de que “você não consegue caçar um javali com as mãos nuas, portanto não é um carnívoro”, ignorando não só que as ferramentas são consideradas pela biologia como fenótipo extendido (https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=vsIZAgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PP2&dq=dawkins+extended+phenotype&ots=IzpBQYIAzq&sig=6xNbYNiPlrDV0NVKCyyAgS1ZP40#v=onepage&q=dawkins%20extended%20phenotype&f=false), ou seja, ferramentas são para nós o que grandes caninos e garras são para felinos, ou o que cascos e pernas longas são para herbívoros de savana. Também é falho neste argumento o conceito de que somente caçadores se alimentam de carne; segundo as pesquisas mais recentes, os hominídeos realmente não eram originalmente grandes caçadores, mas sim necrófagos, ou seja, aproveitávamos os restos da caça de outros animais até desenvolvermos nossas ferramentas (FOLEY, Robert; Apenas Mais Uma Espécie Única: Padrões da Ecologia Evolutiva Humana; São Paulo: Edusp, 1987). Mas há ainda outra falha neste argumento, já que a partir do final da última glaciação, há uns 10 mil anos, desenvolvemos o pastoreio também como fenótipo extendido, da mesma forma que este fenótipo se desenvolveu, por exemplo em diversas espécies de formiga; ou seja, nossa sociedade há uns 10 mil anos não consome majoritariamente carne de caça, mas de pastoreio, e com uma sociedade complexa como a nossa não é possível que todos produzam seu próprio alimento; da mesma forma que os consumidores de carne não caçam seu alimento, veganos não passam o dia coletando frutas e raízes na natureza, e pela mesma razão: isso seria improdutivo.
Outra boa evidência de que não somos herbívoros, mas onívoros, é que conseguimos consumir alguns vegetais; entretanto diversas substâncias vegetais (tais como a celulose) não conseguimos digerir (coisa que herbívoros como a vaca tiram de bandeja), enquanto produzimos pepsina, enzima que permite a digestão da carne, presente apenas em animais que consomem carne, quer carnívoros, quer onívoros, mas não em herbívoros, ou o fato de que nossos parentes próximos, chimpanzés, orangotangos e bonobos são igualmente herbívoros; neste grupo a única exceção é o gorila o que, pelo princípio da parcimônia em filogenética (Mark, R. Evolução. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006), indica que nossos ancestrais comuns seguiam uma dieta que incluía carne, sendo que após a especiação os gorilas perderam esta capacidade.
         Destarte, parece-nos evidenciado que veganos são sim uma religião fundamentalista, ao menos em suas práticas, e não se surpreenda se, em um domingo qualquer, no futuro, baterem à sua porta às 7h30min da manhã e, quando você abrir, der de cara com um par de veganos com panfletos e um livro preto questionando: você tem um tempo para ouvir a palavra da salvação?

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