Feminismo, machismo e a falsa dicotomia
É comum ouvir-se a afirmação de que o feminismo é o contrário
do machismo1. Quero argumentar, em primeiro lugar, que concordo e ao
mesmo tempo discordo frontalmente desta afirmação.
Mas para argumentar é preciso, primeiro, definirmos machismo.
O termo originalmente tem o sentido de “virilidade”, “valentia”, conforme o Vocabulario
Portuguez e Latino, de autoria do padre Raphael Bluteau, em dez volumes publicados
entre 1712 e 1728, em Coimbra, Portugal, sendo considerado este o primeiro dicionário
já feito da língua portuguesa. No século XX, entretanto, com o crescimento do movimento
pela libertação feminina, o termo foi apropriado e passou a designar, segundo o
Aurélio2: “Atitude ou comportamento de quem não aceita a igualdade de
direitos para o homem e a mulher, sendo contrário, pois, ao feminismo”, é,
pois, neste sentido que uso o termo no presente texto1.
Tendo definido, posso dizer que aí está o ponto onde concordo:
Machismo e feminismo são contrários no ponto em que um não acredita e o outro defende
a igualdade de gêneros.
Um ponto que discordo dos machistas também é quando dizem que
o feminismo é o contrário do machismo por também ser uma doutrina sexista. O feminismo
em si não é uma doutrina sexista, mas sim uma doutrina que busca a igualdade entre
homens e mulheres. Que igualdade é essa? Ora, igualdade de direitos, deveres e oportunidades.
Bom, assim posso afirmar: eu não sou machista. Acredito também
em igualdade de gênero; não vejo nenhum problema em ver mulheres em cargos de chefia,
na política (mesmo na presidência), ganhando mais que um homem (como é o caso de
minha esposa em relação a mim), em divisão de tarefas domésticas, etc.
Isso então significa que eu sou um feminista, certo? Errado!
Mas... como assim? – Ouço meu leitor e minha leitora questionando
– Você acaba de dizer que acredita na igualdade de gêneros! Então você é machista?
Não, e é sobre essa “pegadinha” que quero falar hoje, ela consiste
em uma falácia chamada falso dilema ou falsa dicotomia.
Mas como o Estripador (que por sinal pode ser acusado de misógino
sem dramas de consciência), vamos por partes.
O que eu quis dizer com “falácia” em primeiro lugar? Bom, segundo
a Internet Encyclopedia of Philosophy (IEP)3, o termo designa um erro,
sendo que este pode ser na argumentação, no raciocínio, em uma falsa crença ou causado
por um erro anterior, muito embora os filósofos que estudam o assunto preferem usar
a primeira definição. Em suma, usando uma frase do Clarion de Laffalot4,
falácias são “argumentos de mentirinha”, que parecem verdade, mas não são. Para
melhor compreensão de onde está o erro, as falácias são divididas em categorias,
sendo que o IEP3 cita 209 delas.
Uma destas categorias é a citada falsa dicotomia, na qual o
erro consiste em apresentar duas escolhas e implicar na obrigatoriedade da escolha
de uma. O exemplo citado na IEP3 é:
Eu quero ir
de Londres para a Escócia. McTaggart me disse que há dois caminhos para a
Escócia a partir de Londres: a estrada alta e a estrada baixa. Eu acho que a
estrada alta é mais arriscada por que ela passa através de colinas, e isso
significa curvas perigosas. Mas está chovendo agora, então ambas as estradas
provavelmente estão escorregadias. Eu não gosto de uma ou outra escolha, mas
penso que deveria tomar a estrada de baixo e estar mais seguro.
Ok; onde está o erro argumentativo, a “pegadinha”? No fato de
que há muitos outros caminhos para ir à Escócia, você não precisa se limitar às
duas escolhas apresentadas! Você pode, por exemplo, pegar outras estradas, ir de
trem, ou barco, ou quem sabe avião. Ao analisar outras opções além daquelas no cardápio
injustamente limitado, você pode “segurar o dilema pelos chifres”, ao invés de ser
chifrado por ele.
Outro exemplo citado é se alguém te disser: “Bom, é a hora de
você se decidir. Ou você contribuirá com 20 dólares para nosso fundo de preservação,
ou você está do lado da destruição do meio-ambiente?” 3
Percebe a pegadinha? Você pode perfeitamente ser totalmente
contrário à destruição do meio ambiente, mas ainda assim não colaborar com os 20
dólares, seja por que você não tem o dinheiro, por que você considera que pode colaborar
com outros fundos com uma atuação mais dentro do que você pensa ser o melhor, ou
mesmo por discordar frontalmente da forma de atuação dos ambientalistas, mesmo também
sendo contrário à destruição do meio-ambiente!
Pois é exatamente assim que eu percebo a luta do feminismo x
machismo. Não concordo com o machismo, acho deplorável considerar alguém inferior
seja por que razão seja, considero que somos todos seres humanos e que devemos ter
os mesmos direitos, mas, ao mesmo tempo, discordo frontalmente da atuação do feminismo,
em especial o feminismo denominado “terceira onda”.
Discordo, por exemplo, quando o feminismo coloca todas as mulheres
como oprimidas e todos os homens como opressores, muito embora compreenda que há
muito mais mulheres oprimidas.
Discordo quando o feminismo defende a igualdade entre os gêneros,
mas foca apenas nos problemas do gênero feminino, gerando distorções. No Canadá,
por exemplo, as feministas foram à luta por melhores condições de trabalho para
mulheres com empregos perigosos; tal luta se baseou na evidência de que o percentual
de mulheres entre as pessoas que sofreram acidentes de trabalho dobrou em cinco
anos. Mas quando você vai ver os dados, observa que não houve um aumento no número
de mulheres acidentadas, e sim uma redução no número de homens. Ou seja, vamos supor
(por que não disponho aqui dos números corretos) que houvessem mil acidentes de
trabalho por ano, sendo que destes 50 era de mulheres; então tinha-se um percentual
de 5% de mulheres nos números de acidentes de trabalho. Agora vamos supor que o
número de acidentes de trabalho tenha caído para 500 em cinco anos, sendo que o
número de mulheres acidentadas manteve-se fixo em 50. Agora tem-se um percentual
de 10% de mulheres sofrendo acidentes de trabalho, e isso gerou a revolta das feministas
que passaram a exigir leis especiais para as mulheres, mesmo com a realidade de
que os números de acidentadas não aumentou e que o número de homens que sofrem acidentes
ainda é imensamente maior.
Outro exemplo é a violência doméstica. Muito embora pense sim
que homem que agride mulher tem que estar na cadeia, discordo quando o feminismo
diz que o problema da violência doméstica é um problema quase que exclusivamente
voltado contra a mulher. Quando se olham as estatísticas do próprio governo federal
brasileiro, se constata que em números absolutos isso não é verdade. Dados
do site Mapa da Violência5, por exemplo, que apresentam dados do Planalto,
nos mostra que o número total de mortes no Brasil em 2010 foi de 49.932 pessoas,
sendo que destas 4.273 eram mulheres. Segundo as feministas não é tão importante
que a cada dez mortes no Brasil, nove sejam de homens, pois segundo elas devemos
focar na violência doméstica, que causa 40% das mortes de mulheres contra somente
14,7% das mortes de homens. Ora, analisando-se os números
absolutos, percebe-se
claramente que está correto o ditado popular de que “a estatística é a arte de torturar
os números até que eles digam o que você quer”: se 4.273 mulheres morrem violentamente
por ano, e 40% destas morrem por violência doméstica tem-se, arredondando, um total
de 1.710 mulheres morrendo por violência doméstica; já quanto aos homens, ‘apenas’
14,7 do total de mortes violentas são por violência doméstica, o que resulta 6.712
dos 45.659 homens com mortes violentas, ou seja, os homens representam 9 em cada
10 mortes violentas e 8 em cada 10 mortes por violência doméstica (observe os
gráficos), mas as feministas querem o governo e a sociedade focado somente nas mortes
femininas. Com isso, é lógico, não estou defendendo homem que agrido mulher, considero
sim que homem que pratica violência doméstica tem que
estar na cadeia, mas considero que mulher que agride homem também deve!
Discordo, ainda, quando o feminismo faz uma seleção das teorias
científicas que devem e que não devem ser divulgadas (segundo elas, por
exemplo, pesquisas que revelam diferença nos cérebros entre gêneros não devem
ser divulgadas), quais pesquisas devem e não devem ser feitas (por exemplo, a
origem natural, embora não desejada, do estupro não deve ser pesquisada), mas principalmente
discordo quando negam frontalmente à ciência por esta não se adequar em sua visão
de mundo dicotômica, isso sem apresentar nenhuma evidência de que as teorias atacadas
não são a melhor explicação existente para os fenômenos tratados (por exemplo
quando as feministas dizem que qualquer diferença em força física ou explosão
muscular entre gêneros são construídas socialmente).
Discordo quando o feminismo apresenta a falsa dicotomia de que
se você não é feminista então você automaticamente concorda com o machismo, que
você é opressor, que você não quer que homens e mulheres tenham os mesmos direitos.
Em fim, discordo do feminismo em boa parte de suas teorias,
considero-as tiradas de uma cartola mágica, sem evidências o suficiente para sustenta-las,
mas ao mesmo tempo discordo frontalmente do machismo e de suas teorias de inferioridade
sexual. O que faço? Busco sim a igualdade de gêneros, mas sem me filiar ao movimento
feminista, ou seja, não pego nenhuma das duas estradas: ou escolho outro caminho,
ou ir de trem, ou de barco, ou quem sabe de avião...
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1 - Não gosto do termo “machismo”, considero o termo em si sexista
por dar a entender que o macho, ou seja, o homem, é sempre o sexista e o culpado
pelo sexismo. Prefiro usar sexismo mesmo, como o fazem os falantes de inglês. Mas
neste texto usarei o termo machismo por ficar mais simples de explicar.
2 – OLANDA, A. B. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
3ª. edição, 1ª. Impressão. Curitiba: Editora Positivo, 2004.
3 - Internet Encyclopedia
of Philosophy. Fallacy. Disponível em [http://www.iep.utm.edu/fallacy/];
acesso em 15 set 2015
4 - Clarion de Laffalot. Falácias. Disponível em [https://www.youtube.com/watch?v=9U2457cS_rU&index=1&list=PL7298E65F62E9A957];.
acesso em 15 set 2015.
5 – Mapa da Violência. Disponível em [http://mapadaviolencia.org.br/];
acesso em 15 set 2015
Perfeita a sua visão! Também vejo os dois lados, e vejo que a única forma de levar em consideração, e particularmente buscando um caminho alternativo, que não seja a razão sobre quem tá certo ou errado, mas por que isso ocorre? E como melhorar isso, sem que tenhamos que taxar e idealizar tudo que não concordamos.
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