Mão na parede, malandro!

Parte da 'Confraria do Chima', em foto tirada no último inverno.

Já é tradicional. Toda a manhã de sábado vou para a esquina do Banrisul, no calçadão de Uruguaiana, para tomar mate, conversar sobre assuntos sérios e decisivos, tais como política, futebol ou a construção do Taj Mahal (não, meu desinformado leitor, o Taj Mahal não é o mausoléu construído por Shah Jajan em Agra, mas a residência de um dos companheiros do grupo – por nós denominado Confraria do Chima –, que por entre os percalços de construir uma casa com poucos recursos já está quase finalizou a sua).
Ali, em nossa “república independente”, aproveitamos para dar pitaco nos rumos da eleição municipal, para falarmos de cinema, HQs, livros e olhar alguma gatinha que passa (com o adendo para as senhoras esposas de meus colegas que quem olha são apenas os solteiros) e, claro, tomarmos litros de chimarrão clareando – como diria o Veríssimo – as ideias e a urina.
Pois não é que, neste final de semana, quase saímos da esquina para as páginas policiais?
Bom, a manhã já começou atípica. Quando chegamos ao plenário do clube – o corte na fachada do Banrisul, bem na esquina da Duque com a Bento Martins –, o mesmo já estava ocupado por um grupo colhendo assinaturas, pleiteando a vinda do tão sonhado Hospital Regional Federal para estas paragens. Como o assunto era importante e recebia o apoio do grupo, ‘permitimos’ que a mesa lá ficasse e nos retiramos mais para o lado, atrapalhando ainda mais o trânsito dos passantes. Já quase no fim da manhã, o grupo das assinaturas decidiu tirar umas fotos do próprio trabalho – para colocar no face, explicou um deles –, recolheu o material e foi-se embora.
Nós, prosseguimos animados à sessão da Confraria e, quase distraidamente, percebi uma movimentação atípica de PMs na esquina da praça, do outro lado da rua, diagonal ao espaço que ocupávamos. Lá, onde às vezes se encontra estacionada uma viatura com dois, no máximo três agentes da lei, desta vez contei sete!
Mas eles logo circularam. Um casal saiu pelo calçadão, pelo outro lado, fazendo a volta até a outra esquina e parando, encostados no Banrisul, a escassos dois metros de onde estávamos. Outros dois, ficaram no calçadão, do outro lado da rua, de frente para nós. Três permaneceram na calçada da praça.
Na hora, conversávamos sobre o filme Tropa de Elite, que passou novamente esta semana no Telecine, quando um dos confrades, teatralmente, citou o Baiano, personagem da película, bradou: “quem é o ‘frente’? O ‘frente’ é nóis mano!” (para quem não entendeu, isso significa algo como: quem é o líder da malta? Sou eu!), e outras gírias da bandidagem carioca. Apesar da graça, fiquei preocupado, confesso, com os passantes. Não pelo que dizia meu amigo, mas por seu gestual exagerado, que ameaçava nocautear um transeunte com suas largas braçadas. Causou-me estranheza, também, o fato de que o casal de brigadianos que estava perto de nós pareceu se encolher um pouco, como que temerosos de um perigo que eu não conseguia enxergar (tá, pode me chamar de paranoico, mas com os anos de artes marciais e de trabalho em penitenciária, adquiri o hábito de cuidar possíveis perigos à minha volta o tempo todo, de forma instintiva).
Então, um dos confrades decidiu atravessar a rua e comprar uma revista na praça. Uma moto da Brigada, que passava na hora, o parou, e logo outra moto encostou. Vi, entretanto, que ele sorria e parecia conhecer um dos tripulantes, mas ainda brinquei com o advogado do nosso grupo: te prepara para soltar o Finker da cadeia. Todo mundo olhou a cena e riu, continuando com a conversa. Uns minutos depois, o brigadiano de uma das motos falou ao rádio (sim, eu continuei observando a movimentação enquanto conversava, como bom paranoico), e o casal que estava perto de nós saiu. Depois saiu a dupla da calçada em frente. Logo, não restava um policial na área. Foi quando o Finkler voltou:
— Cara, quase que vamos todos para a parede para revista!
— Como assim – quisemos saber.
— ‘Cês viram os brigadianos que me pararam?
— Sim, claro!
— Um deles era meu conhecido, me parou para saber se eu conhecia vocês. Tinha uma denúncia de que um grupo com nossa descrição estava em atitude suspeita, batendo fotos do Banrisul...
Só então entendi o que me parecera estranho na movimentação da Brigada. Nos estivemos cercados, prestes a ser abordados – talvez perto até de uma ação mais enérgica por conta das frases do Tropa de Elite. Somente então entendi o porque do casal perto de nós ter demonstrado, se não medo, ao menos um certo desconforto com as gírias da malandragem, afinal, naquele momento, éramos elementos suspeitos!
Claro que o assunto tomou todo o resto da ‘reunião’. Olhamos para nós mesmos, quase todos de camiseta preta. Para a bolsa de um dos ‘sócios’ da Confraria, que sairia dali direto para um jogo de futebol e nela carregava as chuteiras; imaginamos ele, que tem um pé avantajado, respondendo ao policial:
— O que tem dentro da bolsa?
— É minha 44 – diria ele, referindo-se ao tamanho da chuteira; certamente teríamos problemas...
Cogitamos sobre o que teria feito o Finkler, se não tivesse sido parado e estivesse na banca quando fossemos abordados:
— Bom eu disfarçaria, como se não fizesse parte do grupo, mas enquanto vocês estavam sendo revistados, informaria ao policial que passastes boa parte da última década na penitenciária – respondeu ele, apontando para mim.
Agradecemos a um dos confrades, flamenguista, por não ter vindo com a camiseta de seu time, pois teria parecido que éramos uma quadrilha interestadual, mas ressaltamos que poderia ser pior, ele poderia torcer pro Corinthians.
Por fim, antes de encerrarmos a ‘sessão’ da semana, pedimos a uma transeunte, tão desconfiada quanto os brigadianos estiveram, para tirar a foto abaixo, onde fica o registro de nossa quase ida para a crônica policial.
'Confraria do Chima' no último sábado: Mão na parede!

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