Em defesa de Richard e dos alunos discriminados
Professor Attico Chassot, ministrando a Aula Magina, na Unipampa Uruguaiana |
Quinta-feira da semana passada (19/4),
tive o privilégio de ouvir duas falas do professor Attico Chassot, uma no Rodas
de Conversa Intercampi, outra na Aula Magna.
Um dos mais importantes educadores do
país, Chassot é formado em Química, mestre e doutor em Educação, tem mais de 60
artigos e 15 livros publicados. Mas além de ouvi-lo falar, ainda tive o prazer
de conversar com o professor, e constatar sua grandiosidade ao aceitar ouvir os
argumentos desse ‘aluno impertinente’, que ousou discordar de um monstro sagrado como ele.
Ele me ouviu com toda sua calma e
simpatia, lembrando um avô que ouve pacientemente as razões do neto antes de apresentar
as suas e, quando as mostra, o faz sem ranço ou desprazer, mas com sabedoria
(que o Mestre Chassot tem de sobra) e argumentos muito bem embasados.
Sobre o que versava nossa conversa? Sobre
a militância ateísta de Richard Dawkins e suas constantes afrontas às religiões,
tema sobre o qual ele se manifestou em suas falas.
Ouvi-o e pensei muito no que me disse;
entretanto acho que o espírito do ‘aluno impertinente’ é muito forte em mim. Sigo
discordando do mestre nesse e em alguns outros pontos. Como falei para uma
professora minha: Chassot e eu queremos o mesmo mundo, um mundo justo, sem
guerras, sem fome, sem discriminações; apenas discordamos sobre os caminhos
para chegar lá.
Tá, talvez tal discordância nasça do
fato de Chassot ser claramente kuhniano, enquanto eu sou popperiano; ele pensa que
a Ciência progride pela tradição intelectual representada pelo paradigma, que é
um modelo e visão de mundo comunicada por uma teoria ou sistema científico. Eu
sou adepto das teorias postas à prova, ou seja, do princípio da refutabilidade
(ou falseação).
Para o professor, o ateísmo militante é
problemático, ainda mais que ele prega em suas falas seu sonho de que “à
Ciência estaria reservado o papel de explicar e transformar o mundo; às
religiões estaria destinado garantir que essas transformações sejam para melhor”.
Não consigo compartilhar de seu sonho em primeiro lugar por uma razão: não há
como haver consenso quanto ao que é o melhor se usarmos religiões.
O que defender? Que Jesus odeia
homossexuais, como querem alguns grupos cristãos? Ou que eles devem ser
aceitos, como querem outros? Que pesquisa com células tronco são abominações,
embora salvem e transformem vidas ou que isso é bom? Ou se uma pesquisa indica
que carne de porco faz bem à saúde, devemos nos render a grupos islâmicos,
judeus, ou mesmo alguns cristãos que abominam seu consumo ou devemos
consumi-la, como tantos cristãos que a consomem no Natal? Note-se que, quando
falo destes temas, não os estou usando como exemplos de absurdos religiosos,
mas sim de um outro fato: nenhum desses temas é consenso entre aqueles que
creem!
Mas a principal razão de minha
discordância reside em um dos maiores triunfos do Estado moderno: a laicidade,
ou seja, o fato de o Estado não poder ser guiado por esta ou aquela religião,
ou mesmo pelo ateísmo.
Quando se fala em laicidade, muitos religiosos
se declaram contra, sem se darem conta de que sua própria liberdade religiosa
nasce desse conceito. O laicismo assegura, por exemplo, que evangélicos ou
espíritas tenham os mesmos direitos frente a um país ainda majoritariamente formado
por católicos; ou a liberdade para as religiões afro-brasileiros; ou para o
espiritismo kardecista; ou mesmo para a descrença total. O laicismo assegura,
até mesmo, que católicos tenham diferentes orientações, que vão da Teologia da
Libertação à TFP. Todos, por esse
conceito, têm os mesmos direitos e deveres frente ao Estado.
Quando defendo Dawkins, não afirmo que
concordo com todas suas atitudes. Talvez ele realmente tenha exagerado ao
afirmar que prenderia Bento XVI por acobertar padres pedófilos (embora o papa
realmente o tenha feito); ou que suas frases em ônibus possam ter mais de uma
interpretação, podendo parecer pregação do hedonismo (embora, para mim, não
tenhamos qualquer direito em censurar hedonistas). O que aprecio em Dawkins foi
algo que ele, junto com outros pensadores como Daniel Dennett, Christopher
Hitchens, Sam Harris, José Saramago, Dráuzio Varella ou Friedrich Nietzsche
trouxeram ao ateísmo: a eliminação da vergonha de se declarar ateu.
Eu próprio já passei por isso (leia a
crônica Lição de Tolerância, neste blog), e mesmo no começo de meu curso de licenciatura,
tive que enfrentar diversos colegas indignados por minhas posições ateias, isso
que faço um curso de Ciências da Natureza. E foi Dawkins quem me ensinou o
caminho para vencer o preconceito: não baixar a cabeça, impor que suas ideias,
embora não aceitas, sejam respeitadas, e dar aos outros o mesmo respeito que se
recebe. Hoje sou plenamente respeitado e respeito a todas as visões religiosas
em nossas salas de aula. Podemos até brincar, mas quando o fazemos, há sempre
um limite de respeito, e acredito que todos ganhamos com isso.
“Coisas do passado”, ouço alguns
leitores incrédulos dizerem. Não, meu caro leitor, minha cara leitora,
infelizmente isso não é fato superado. Enquanto existirem professores em
escolas públicas que discriminem alunos por sua falta de crença (leia “Aluno é retirado de sala de aula após se negar a participar de oração no PR”), não
podemos dizer que isso são águas passadas. Enquanto pessoas são preteridas em
empregos por sua orientação religiosa (ou antirreligiosa), enquanto houver os
datenas da vida, dizendo que o crime é coisa de quem não tem deus, essa luta
não foi superada.
Quando defendo, pois, a militância de
Dawkins, defendo antes de tudo seu direito de resposta frente às constantes
agressões religiosas; ao riso de escárnio; aos que dizem que, por não crermos,
somos o mal; aos que nos veem como representantes do demônio, mesmo que, para
nós, o demônio seja tão imaginário quanto qualquer deus.
O que defendo, enfim, é a legitimidade
de que todos tenham direito de crer ou não crer como, aliás, nos assegura a
Constituição.
Sinto muito,
professor Chassot, respeito sua inteligência, sua experiência, sua imensa
cultura, pretendo ler todos seus livros (os quais só não adquiri por estar
desempregado) mas, apesar de sonharmos com o mesmo mundo, ainda seguimos
caminhos diferentes para chegar até ele.
Meu caro Guto,
ResponderExcluirpassava no teu blogue para convidar a espiar um tríduo acerca da ‘Teoria do Design Inteligente’ Ontem/hoje/amanhã e sou agradavelmente surpreendido por este texto.
Aceito tuas ponderadas divergências. É verdade que não podemos em meio a fazer adensar reflexões.
Meu comentário acerca do papel das religiões, transcrito com competência para tua blogada, foi encimado por ‘UMA UTOPIA’. Sonhar é preciso.
Aliás, tu tens utopias em teu texto quando expressa quanto s facilidades dizer-se ateu.
Muito obrigado por teu texto, e olha algo sobre TDI
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com