Aleluia, Ataxerxes!


Dia desses uma conhecida minha, evangélica, que vez por outra lembra de ter a sagrada missão de tentar converter esse descrente, lançou-me uma frase: Jesus é meu melhor amigo.
Explicou-me, também, que é a Jesus que recorre quando está triste, quando tem problemas, quando tem dúvidas.
Primeiro cogitei entrar pela enésima vez no campo da razão x fé, mostrando-lhe novamente que o que ela diz é absurdo, que o fato de crer-se ou de sentir-se algo não torna esse ‘algo’ verdadeiro, que o fato de um livro ter sido escrito há muito tempo não o torna detentor de uma confiabilidade maior do que qualquer outro texto, que a Aposta de Pascal (de que se você não crê e os crentes estão com a razão você está perdido, mas que se você crê e está errado você não perde nada) é um absurdo lógico, e centenas de outros argumentos que já apresentei a ela, infrutiferamente, milhares de vezes, atirando, como diz o ditado bíblico, pérolas aos porcos.
Depois desisti, ela é uma pessoa cega à racionalidade, dei-me conta de que ela vive em seu mundo de faz-de-conta e nada do que eu argumente vai mudar isso. Talvez, até, ela se sinta feliz com isso.
Mas o fato é que cansei! Desta vez decidi ser mais firme, embora deteste ser rude, e respondi-lhe:
— Jesus é seu melhor amigo? Mas você não está velha demais para ter amigos imaginários?
Pela cara que fez acho que faltou pouco para me saltar ao pescoço e mostrar o quão contundente pode ser o amor de deus, mas conteve-se e encerrou o assunto.
Se o assunto morreu ali, porém, meu pensamento viajou longe nos dias que se seguiram.
Imagine só eu, que tenho uma vida corrida e cheia de incertezas, e que desde 1992 não tenho mais a figura paterna para recorrer – para me colocar ‘na linha’, para me socorrer nos momentos de crise –, eu que tantas vezes tenho que superar minhas tristezas sozinho ou tomar minhas próprias decisões, o quanto talvez uma figura como a dela pode estar faltando para preencher o buraco de minha existência (até então eu sequer tinha me dado conta de que existia um buraco em minha existência!). Quem sabe nesta ausência de racionalismo possa estar a chave da felicidade?
E eu, que até então me achava tão feliz!
Assim, caro leitor, estou decidido: A partir de hoje também vou adotar uma crença que não pode ser explicada racionalmente.
Entretanto, como essa é uma decisão importante, fiz mais algumas ponderações.
Primeiro, lembrei que não sou chegado em histórias de zumbi – tá, até que o Fome Animal, do Peter Jackson, e o Planeta Terror, do Robert Rodrigues são legais, mas no geral é só um sangue-tripas indigesto e sem graça (ou sem susto) –, então não acho que histórias de seres sobrenaturais que levantaram do túmulo vão me fazer sentir melhor.
Depois, considerei que, como bipolar, já tenho uma vida econômica relativamente difícil de controlar e, portanto, não acho que dar dinheiro para sustentar o pastor possa me fazer sentir mais feliz, mesmo sabendo o quanto ele ficaria feliz com isso (talvez seja só egoísmo meu não querer fazer um pastor feliz, mas se até mesmo meus genes são egoístas, então acho que isso pode ser desculpável).
Por último, lembrei que meus amigos sempre formam um grupo seleto (ao menos seleto para mim). Não que eu seja elitista mas, até por timidez, chamar alguém de amigo é algo que não faço com freqüência. Tenho centenas de conhecidos, dezenas de pessoas que me são simpáticas, sujeitos por quem tenho grande estima, mas amigos mesmo são poucos.
Amigos para mim são, como diz o ditado popular, os irmãos que a gente escolhe.
Face a isto, pareceu-me indigesta a idéia de ter como melhor amigo alguém que já é o melhor amigo de tanta gente (olha o egoísmo falando alto novamente).
Por todas essas avaliações, logo descartei a figura do judeu crucificado, proposta por minha conhecida, como melhor amigo. Mas, então, o que fazer?
Seguir o judaísmo ou o islamismo? Não, a circuncisão seria dolorosa demais, além do que na segunda opção teria que largar outro bom amigo chamado cerveja, e meus amigos, por mais que me sejam queridos, não podem determinar com quem eu me relaciono.
Cheguei a pensar no candomblé, mas lembrei que não sei dançar.
Kardecismo? Bah, eu já sou espirituoso o suficiente.
Depois de muito pensar só me restou uma solução; a única que pode ser encaixada em todos os quesitos: criei meu próprio amigo imaginário.
O nome dele é Ataxerxes (nenhuma relação com o rei persa, mas vai dizer que não é um nome sonoro?).
Tá, até pode parecer estranho, quem sabe alguns pensem que estou louco, mas como nerd já sou considerado esquisito mesmo; além disso, é bom lembrar que fé a gente não discute.
Já até pedi, noite passada, que o Ataxerxes me apresente a uma loira gostosa e ninfomaníaca, que tenha tara por CDFs baixinhos – com o adendo de que minha mulher nunca fique sabendo...
Se vou ser atendido? Realmente ainda não sei, mas tenho esperança, afinal, imaginário por imaginário, tenho tanta chance de ser agraciado quanto qualquer religioso que ore para sua divindade.

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