Afinal, uma nova ditadura é a solução?

Nossa democracia está na UTI
Nossa democracia vai mal, e isso não é especulação, mas uma constatação. Ok, reconheço que não sou um cientista político, ou historiador, ou que não tenho qualquer outra formação em ciências sociais, mas minha análise é a análise de um cidadão.
Então a solução é uma ditadura, não é mesmo? Colocar no poder alguém que irá “salvar a pátria”, colocar tudo nos eixos e, depois, entregar o poder ao povo! Será???
Antes de tudo é preciso esclarecer que, quando me refiro a ditadura não estou falando somente de nosso regime pós 1964 ou a seus saudosistas. Refiro-me também ao reverso da moeda, àqueles que consideram Cuba e Venezuela como exemplos a serem seguidos, afinal, “esta noite milhões de crianças dormirão na rua, mas nenhuma delas é cubana”1... o fato de que, mesmo com uma taxa de natalidade e de óbitos semelhante ao Brasil, USA e Argentina, por exemplo2, Cuba ter tido um crescimento de somente 59,5% na população (de 7,141 mi em 1960 para 11,390 mi em 2016), enquanto que o Brasil teve 186,66% (de 72,49 mi em 1960 para 207,8 mi em 2017) não é levado em consideração... mas, espere... se Cuba tem uma taxa de natalidade de 1,62 e o Brasil de 1,79, enquanto que o Brasil tem uma taxa de mortalidade de 6,08 (p/m) e cuba de 7,64 (p/m), como explicar tanta discrepância (dados retirados da Wikipedia)? Simples, quando se pensa que 11,177 mi cubanos moram nos USA fugindo da ditadura; de fato, se somarmos as duas populações (cubanos morando em cuba + cubanos morando nos USA) teremos 22,567 mi, ou um crescimento de 316%. Ou seja, é muito fácil manter uma economia mais igualitária quando 49,5% de sua população não depende de sua infraestrutura de saúde, de habitação, de economia, etc. Penso até que se expulsarmos 102,861 mi de brasileiros (ou seja, 49,5% de nossa população) para outro país, teremos uma economia bem mais equilibrada, um sistema de saúde melhor, nossa população será mais facilmente nutrida e não teremos crianças dormindo na rua, mas... é isso que queremos? Isso, claro, sem contar que mesmo não dormindo na rua, em Cuba você não tem liberdade de expressão, liberdade de crença, liberdade de ir, vir e permanecer...
Ditaduras de esquerda e de direita: duas faces da mesma moeda
Por outro lado, temos aqueles que afirmam que a solução era uma “intervenção militar constitucional”, colocar os militares no poder por um tempo, estes organizariam as coisas e entregariam o poder de volta em 2018. Vejo, no mínimo, três problemas nisso.
O primeiro: qual a garantia que temos de que eles vão entregar em 2018? Ou em 2019? Ou em 2050? Quem já leu um pouquinho de história sabe que a proposta quando os militares assumiram em 1964 era organizar a bagunça e realizar eleições democráticas já em 1965... resultado? Relutantemente e com pressão popular entregaram em 1985, 19 anos depois do prometido.
Em segundo lugar, quem disse que os corruptos não estão, igualmente, dentro dos quartéis? Basta fazer uma rápida busca no Google para ver militares de alta patente envolvidos com escândalos com empreiteiras, com licitações fraudulentas, etc., em suma, com corrupção (não vou nem falar sobre a corrupção que corria solta durante a ditadura militar). Mas, pera... corrupção não é coisa de político?
Sim, corrupção é coisa de político, diz o estudante que cola na prova por que “quem não cola não sai da escola”, diz o cidadão que sonega impostos, dizem o motorista que suborna o guarda e o guarda que aceita o suborno, diz o médico que recebe duas vezes pela consulta (uma pelo SUS, outra particular) e o paciente que vai ao médico em busca de um atestado para alongar o fim de semana, diz o bicheiro que enriquece com a contravenção e o apostador, diz o patrão que não quer pagar direitos e o trabalhador que lota o Ministério do Trabalho com ações sem sentido só para conseguir um pouquinho a mais, diz o pastor sem crença que só quer o dízimo e diz o dizimista que espera não precisar trabalhar, dizemos eu e você, ignorando (por que faz bem à nossa consciência ignorar tal fato) que a corrupção é endêmica em nosso país, que respiramos corrupção, que trabalhamos com corrupção, que estudamos com corrupção, que rezamos com corrupção, que amamos com corrupção...
O último ponto problemático que vejo em uma nova ditadura (seja ela de esquerda, seja de direita), é que só se aprende e aprimora a democracia vivendo em uma. De fato, em toda nossa história republicana, vivemos pouquíssimos momentos de democracia real, já começamos, aliás, nossa vida republicana com um golpe militar2, tivemos uma aristocracia até 1930, uma ditadura até 1945, sendo que este ditador só saiu realmente do poder com sua morte, em 1954 e, dez anos depois, a instauração de uma ditadura militar. De fato, trazemos a ditadura inscrita até em nossa bandeira, em seu lema “Ordem e Progresso”3, em uma alusão ufanista ao positivismo “científico” (sim, assim, entre aspas, pois o positivismo é tão científico quanto o marxismo, ou seja, não o é4). De fato, nossa república nasce sob a égide da “ditadura científica”, e tal tem nos perseguido por todos os 128 anos de história republicana. Ainda buscamos alguém que conduzirá sabiamente nosso país para o bem de todos e acreditamos que não temos a responsabilidade, cada um de nós, de conduzir esse país, tendo governantes representativos apenas para gerir e intermediar as forças sociais conflitantes como seria esperado em uma democracia, não para mandar e desmandar, para dizer à sociedade que rumos deve ou não tomar, para dizer o que devemos ou não assistir, falar, pensar, ler, escrever, gostar, que religião seguir (ou não seguir)...
Educação é a solução, mas não educação ideológica
E como conseguir isso? Como mudar nossa democracia? Não vejo outra saída que não a educação cidadã. ENTRETANTO... educação cidadã não pode ser o que se tem feito na escola, com aquele conceito de que “português, matemática, ciências, história... não são importantes, o importante é o aluno se preocupar socialmente com o que me preocupo”. Penso que devemos sim ter uma educação com conteúdos, e que tais conteúdos devem ser ensinados e cobrados! Não acho sinceramente possível ser um cidadão pleno se você não consegue ler e compreender corretamente em seu próprio idioma; não acho possível ser um cidadão pleno se você não conhece matemática suficiente para saber o quanto o aumento em um imposto ou no investimento em determinada área representará; não acho possível ser um cidadão pleno sem saber realmente o que significa efeito estufa, evolução bacteriana, OGM, substâncias químicas e suas interações, e principalmente como a ciência chegou a isso tudo, como funciona o método científico; não acho possível ser cidadão sem conhecer história, e quando me refiro a conhecer história não quero dizer o que Marx ou Mises pensam do assunto, mas que os fatos históricos sejam apresentados e que o estudante possa tirar suas conclusões; e por último, não acredito em cidadãos plenos sem um conhecimento básico do que é sua própria pátria, sua nação e as diferenças entre ambas, sem saber o que é sistema político, regime político, forma de governo, sem saber o como as leis são feitas, o que é sistema bicameral ou unicameral, quais as atribuições do Executivo, Legislativo e Judiciário em cada esfera pública... fala-se muito mal, hoje em dia, das aulas de OSPB, e não sem uma certa razão, de fato, uma das coisas que tais aulas faziam era a promoção do regime autocrático, mas precisamos algo nos moldes de tais aulas excluindo-se seu teor ideológico (e sem colocar teor ideológico de outra vertente, seja ela qual seja).
A cura para nossa democracia é... democracia!
Em suma, nossa democracia vai mal, e isso não é especulação, mas uma constatação. Como resolver isso? Com uma ditadura de esquerda ou de direita? Penso que não, mas sim com o aprofundamento da democracia, com maior participação popular consciente (sem ranço ideológico, mas consciente do que está defendendo e porque o está defendendo) e com educação não dogmática (seja esse dogma de direita ou de esquerda). Em suma, o remédio para nossa democracia doente é... mais democracia! Pelo menos assim penso eu, um não cientista político, um não historiador, alguém sem qualquer formação em ciências sociais, mas um cidadão pleno que pensa que seu país pode ser diferente.
You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope some day you'll join us
And the world will be as one5

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1 – Frase atribuída a Fidel Castro e afixada em  uma placa na saída de Havana.
2 – Para saber mais sobre esse episódio histórico, recomendo o excelente vídeo do Eduardo Bueno sobre a proclamação da república (com direito a indicações de leitura par aprofundamento: https://www.youtube.com/watch?v=8JcbiCwfO1E
3 – De fato, o lema foi tirado da citação do ideólogo do positivismo Auguste Comte: "O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”.
4 – Não dá para considerar qualquer um dos dois (positivismo e marxismo) como ciência por nenhum dos dois ser falseável, ou seja, você não pode imaginar um experimento para provar que qualquer um deles está errado, e sempre que se demonstra que algo está cientificamente errado, há sempre uma "saída pela tangente" e não uma admissão do erro. Para saber mais sobre o que é ou não ciência, recomendo http://www.bulevoador.com.br/2010/03/karl-popper-e-a-filosofia-da-ciencia/
5 – Trecho de Imagine, de John Lennon “você pode dizer que sou um sonhador / mas eu não sou o único / espero que um dia você se junte a nós / e o mundo será como um só”.

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