Ingressos diferenciados: brasileiras não devem poder escolher pagar menos?

Festas: mulheres não podem escolher pagar menos?
Você pode ler este texto em inglês em: https://brazilianprimate.blogspot.com.br/2017/07/differentiated-tickets-cant-brazilian.html

Antes que você me pergunte não, eu não sou um liberal que pensa que o “deus mercado” consegue se autorregular e que sob hipótese alguma o Estado deve intervir na iniciativa privada; ok, eu acredito em liberdade e a defendo, mas para mim liberdade não é a mera inexistência de constrangimento e coerção nas relações entre o Estado e os indivíduos, para mim a falta de oportunidades de emprego, educação, saúde, segurança etc. podem ser tão prejudiciais para a liberdade como a compulsão e coerção. Eu não me rotulo, na verdade como integrante desta ou daquela vertente política (ou filosófica tampouco), uma vez que analiso propostas e projetos por seus méritos, não por qual corrente o defende. Tem um amigo meu, por exemplo, que me disse não apoiar a CLT por que ela tinha sido proposta por um governo fascista. Peraí, vamos pensar... interessa mesmo quem introduziu a CLT? Ou interessa se ela é positiva ou negativa para o trabalhador e para a economia brasileiros? Eu ficaria com a segunda opção, e analisaria os méritos da CLT, nunca se ela foi proposta e implantada por um fascista, um socialista ou mesmo um nazista, e essa análise, segundo penso, não deve tampouco ser baseada “no que Marx dizia” ou “no que Mises falou”, mas sim em uma análise desapaixonada e com os pés calcados na realidade analisada por dados estatísticos revisados por pares.
Postos os “panos quentes”, quero dizer que achei absurda a decisão do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, determinando que a cobrança ingressos diferentes para homens e mulheres é ilegal no Brasil. A justificativa para tanto seria “prática comercial abusiva”, que utiliza a mulher como “um objeto de marketing para atrair o sexo oposto a eventos”. Vamos por partes...
Primeiro, é óbvio que o Estado pode (e deve) interferir em casos de prática comercial abusiva. Mas o que é, antes de tudo, uma prática comercial abusiva? Segundo o jurista Antônio Carlos Efing, “são comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor”; a definição é ampliada pelo atual ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e corregedor-geral da Justiça Eleitoral Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, segundo ele, prática comercial abusiva é “a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor”, ou seja, estaremos diante das práticas comerciais abusivas quando todas as condutas tendem a ampliar a vulnerabilidade do consumidor1. Assim, tabelamento de preços por parte de concorrentes para evitar a livre concorrência (se todos têm um preço alto, ninguém precisa ter um preço baixo) é uma clara prática abusiva; a não restituição de valores pagos por serviços ou mercadorias não entregues também; da mesma forma a “venda casada” de produtos ou serviços de natureza distinta (por exemplo, a obrigatoriedade de comprar um seguro quando comprar uma passagem). Ou seja, claro que o mercado precisa ter liberdade, mas atos abusivos tiram a liberdade do cliente, que também deve ser respeitada!
Posto isso, qual seria a liberdade do cliente que estaria sendo vetada? Qual o direito social ou individual que está sendo ferido? Não está o governo, neste caso, agindo de forma ideológica, determinando o que é ou não bom para as mulheres em geral seguindo o que prega o movimento feminista (que, certo ou errado, é uma vertente ideológica), sem sequer saber o que as mulheres pensam disso, se elas sentem que o que as feministas pregam está certo ou errado? Sim, afinal, até onde eu sei, a não ser para as feministas mais empedernidas, as mulheres com quem tenho contato não veem como problemático pagar menos, muito antes pelo contrário! O direito delas não deve ser respeitado por que uma parte da sociedade considera isso errado? E mais! Segundo a coluna de Mônica Bergamo na Folha Online2, publicada em 27/07 deste ano, a diferenciação em estabelecimentos LGBT é prática comum; por exemplo em bares de lésbicas homens pagam mais para evitar “clientes com fetiches”. Ora, a lei deve valer para todos, sendo assim as lésbicas não podem mais selecionar os clientes de seus estabelecimentos? Os gays concordam que isso é abusivo e entidades já estão entrando com ações no Procon para barrar a medida: “daqui há pouco”, diz Welton Trindade, editor do Guia Gay da Folha, “vão obrigar a entrada de mulher em sauna gay”.
Com o exposto, acho que, no caso presente o governo não coibiu uma prática abusiva, o governo foi abusivo e ideológico, não respeitando à sociedade como um todo, mas impondo as convicções de um grupo, impedindo que estabelecimentos cobrem preços diferentes em uma ação que, ao menos para mim, se assemelha muito ao tabelamento de preços para evitar concorrência, prática abusiva da qual falamos acima. É aquela questão, se você é empresário e concorda com isso, cobre ingressos iguais, e quem prefere assim (não importando se é ou não feminista), frequente tais lugares. Quem não vê problemas na cobrança diferenciada, que siga praticando-a se for empresário, ou frequentando se for cliente. Não gosta? Não vá!

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1 – MENGUE, J. Das práticas abusivas na relação de consumo. Disponível em [https://jjuridicocps.jusbrasil.com.br/artigos/112072252/das-praticas-abusivas-na-relacao-de-consumo]. Acesso em 30/07/2017.

2 – BERGAMO, M. Gays querem preços mais caros para mulheres em casas noturnas. Folha de São Paulo. 28/07/2017. Disponível em [http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/07/1905393-editores-de-guia-gay-reclamam-de-preco-igual-para-homens-e-mulheres.shtml]. Acesso em 30/07/2017.

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