Estado laico também vale para culto afro

Religiões afro: Respeito, mas sem incentivo do Estado
Lembro como se fosse ontem. Estávamos em uma aula de pedagogia (eu cursava, então, Licenciatura em Ciências da Natureza) e a professora estava comentando um embate que tinha havido na Câmara de Vereadores pela inclusão do termo “gênero” no Plano Municipal de Educação. Durante a explanação, a professora criticou duramente a participação de evangélicos, se manifestando dentre os que não queriam permitir a modificação da lei; “fere o Estado Laico”, afirmou ela, com o que concordei. Entretanto, um outro aluno, que tinha estado na barafunda, comentou: “mas do seu lado, professora, estavam entidades representativas de cultos afro, isso não fere igualmente o laicismo?”. “Não”, respondeu ela, “por que estes estavam do nosso lado, o lado certo”...
Como assim, cara-pálida, quer dizer que Estado Laico significa que pode participar do Estado somente aquelas religiões com as quais concordo (ou que concordam comigo)? Sim, infelizmente para a maioria dos brasileiros essa é a visão do laicismo, a ponto de um presidenciável que está em um dos primeiros lugares nas últimas pesquisas ter afirmado que o Estado é laico, mas cristão...
Ok, vamos deixar claro que eu sei que quem mais se imiscui no Estado brasileiro são os cristãos, tanto os católicos – que através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) faz lobby aberto por temas que eles considerem relevantes para sua religião –, quanto os protestantes – que têm até uma bancada no Congresso visando impor sua visão de mundo às leis brasileiras. Não preciso sequer falar o quanto tal é absurdo, uma afronta à laicidade e aos direitos do livre pensar da sociedade como um todo.
Sei, também, que as religiões de matriz africana não são somente religiões, mas também apresentam aspectos culturais dos afrodescendentes, que são, além de religião, uma manifestação de resistência à aculturação. Mas vamos deixar claro, religiões de matriz africana são, antes de tudo, religiões! Certas ou erradas, boas ou más, positivas ou negativas, fica a critério do julgamento individual, como preceitua a Constituição Federal em seu Art. 5º, Inc. VI. Devemos, portanto, enquanto sociedade, lutar contra qualquer afronta ao livre exercício de tais cultos (tais como agressões a seus praticantes), devemos punir na forma da lei quem vilipendie seus locais de culto e liturgias, assim como o devemos fazer em relação a toda e qualquer religião, especialmente as minoritárias, já que religiões com grande número de fiéis têm mais possibilidade de defender-se pelo número.
Entretanto, o fato de que devemos proteger o livre exercício da fé de matriz africana não deve ser confundido com a permissão de imiscuí-la ao Estado, de terem proteção especial, de terem incentivos de qualquer tipo por parte do Estado (da mesma forma que não devem ser, de nenhuma forma, prejudicadas em seu livre exercício pelo Estado). Por isso vejo como preocupante quando cursos universitários (em geral na área de humanas) fazem apologia a tais cultos em algo além de interesse cultural ou antropológico. É preocupante quando DCEs de faculdades públicas defendem tais religiões de uma forma além de prezar sua liberdade de culto, realizando, por vezes, festividades alusivas aos cultos de matriz africana, ou incentivam de qualquer forma tais religiões na universidade (da mesma forma seria absurdo se o fizessem com referência ao cristianismo, ao budismo, ao Monstro de Espaguete Voador ou mesmo ao ateísmo); e mais preocupante ainda quando tal vem de professores das ditas universidades! A propósito, eu sei que os DCEs não são realmente parte das universidades, mas entidades de alunos mas, como tal, devem servir aos interesses de todos os alunos, e não de parte deles, selecionada por sua religião ou cultura.

Veja bem, considero que qualquer cidadão, seja aluno, membro de DCE ou professor, deve ter total direito a seguir ou não seguir o culto que queira, aquele que mais se adeque à sua consciência, o que não podem é usar o aparelho do Estado (e faculdades públicas fazem parte do aparelho do Estado) para promover ou prejudicar qualquer religião (o que fere o Art. 19 da Constituição), não importando o quanto tal religião “esteja do nosso lado”; da mesma forma que professores não devem coibir eventuais críticas às religiões de matriz afro (ou do cristianismo, islamismo, budismo, pastafarismo, ateísmo...), pois também deve ser respeitado o direito individual à liberdade de consciência e de expressão, o que não dá é para pregar contra uma religião e incentivar outra no âmbito do Estado (e lembrando sempre, . É bom lembrar, Estado Laico é para todos, e isso vale, também, para cultos afro.

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