Boyega e a diversidade em Senhor dos Anéis e Game of Thrones
Boyega em um painel de Star Wars na ComicCon |
Quem acompanha o mundo pop certamente
conhece John Boyega, o jovem astro britânico de origem nigeriana, que fez um
trabalho destacado como Finn em Star
Wars: The Force Awakens, papel que lhe rendeu o BAFTA – British Academy of Film and Television Arts
– de ator revelação (merecido, em minha singela opinião). De fato, o ator é um
dos méritos da película, que se destacou por ter sido protagonizada por uma
mulher e, mais do que isso, revelou o rosto de um stormtrooper no primeiro teaser,
e essa face não era branca! Ponto para a diversidade, para a representatividade
e para o nerdverso, ponto para mulheres e afrodescendentes, infelizmente tão
pouco representados em filmes de heróis ou, quando nestes aparecem, em geral é
como vítima ou vilão. Minha mulher, por exemplo, me mostra a cada filme de ação
que os negros são sempre os primeiros a morrer, são os equivalentes aos
oficiais de segurança (de camisas vermelhas) da série Star Treck: o personagem secundário que deve morrer para destacar a
coragem do personagem principal e, por conta disso, filmes como Star Wars: The Force Awakens são uma
revolução muito bem-vinda!
Entretanto, entre uma atuação e outra (e
entre uma ComicCon e outra), Boyega encontrou tempo em sua agenda lotada para
criticar a pouca representatividade de afrodescendentes em Game of Thrones e Senhor
dos Anéis. “Não existem negros em Game
of Thrones”, reclama o astro, “você não vê um negro em O Senhor dos Anéis, (...) você vê
diferentes pessoas de diferentes origens, diferentes culturas, todos os dias.
Mesmo se você é racista, é preciso viver com isso. Podemos irritar algumas
pessoas”. Ok, Boyega, eu compreendo sua apreensão, respeito seu ponto de vista,
na verdade, mas sou obrigado a discordar!
Quando digo que compreendo seu ponto de
vista, estou falando sério! É realmente absurda a ínfima participação de
afrodescendentes em produções hollywoodianas, o que resulta, dentre outras
coisas, na quase inexistência de participações de afrodescendentes em diversas
premiações do Oscar dos últimos anos; e tal não se deve à falta de excelentes
atores negros, mas sim à falta são papéis para eles no cinema! E isso é
importante não só para que atores negros tenham emprego, mas também é
importante socialmente, para que nossas crianças possam, por exemplo,
identificar-se com heróis negros, para que não cresçam pensando que negros são
“descartáveis”, reles coadjuvantes para destacar o heroísmo de brancos.
Representação é importante sim, e torço muito por filmes como (em produção)
Pantera Negra; torço que se faça um bom trabalho, que valorize o herói e que
nos faça sentir orgulho. Com mais histórias com negros como protagonistas,
ganham os atores negros, ganha nossa sociedade... e ganhamos nós, fãs de
cinema, com mais opções para assistir!
Mapas de Westeros e do Reino Unido lado a lado |
Entretanto... em seu afã de passar sua
mensagem positiva, penso que Boyega pisou na bola com as obras que escolheu. O
Senhor dos Anéis, trilogia que saiu da obra de J.R.R. Tolkien, é passada na
Terra Média, mundo criado pelo escritor britânico com o Reino Unido como
inspiração. A obra é uma metáfora (embora Tolkien detestasse que se dissesse
tal coisa) da Inglaterra, sua formação, seus valores e seus mitos. Já Game of
Thrones é baseada nas Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, obra
profundamente influenciada pela de Tolkien (não, o RR em comum não é mera
coincidência, mas uma homenagem), contando uma história que se passa em um
mundo imaginário que, adivinhe... é uma metáfora para a história do Reino
Unido! Na obra de Martin, até o mapa dos Sete Reinos pode ser facilmente
comparado ao mapa da Grã-Bretanha, enquanto o continente além do Mar Estreito é
a Europa continental; ou seja, nas duas obras está-se falando de um lugar
específico, ainda que metaforicamente, um lugar com uma história própria,
mitologia própria e... população branca! Ok, eu sei que hoje em dia não há mais
hegemonia étnica no Reino Unido, e Boyega é um bom exemplo disso, mas ambas as
obras não tratam do século XX (sequer do século XIX), mas sim se passam em um
período “medieval”, época em que as tribos anglo haviam se juntado com os
saxões (ambos de etnia branca) e mesmo quem não havia se juntado, como os
escoceses e irlandeses, eram igualmente brancos; ou seja, não há sentido em
haverem negros tanto na Terra Média quanto em Westeros!
Ok, ok... reconheço, isso é um pouco de
“preciosismo nerd”, mas vamos admitir, será ótimo que tenhamos filmes
etnicamente representativos, com heróis negros, heróis latinos, heróis
asiáticos... o problema que vejo é quando devemos obrigatoriamente colocar
heróis de outras etnias em obras onde estes não cabem, e nas obras citadas por
Boyega, em minha visão “preciosística nerd” não cabem heróis etnicamente
representativos, da mesma forma que seria um absurdo colocar-se “heróis brancos”
em uma série como Luke Cage (que por sinal é uma ótima série, e tem seus
protagonistas e vilões majoritariamente negros), ou colocar um branco como
protagonista de Blade. Tudo isso é muito distinto, por exemplo, de Star Wars,
obra que abrange todo um universo e na qual a pouca representação de
afrodescendentes é evidente e, neste caso, podemos concordar com Bojega: “apesar
de Star Wars ter alguns personagens negros — Billy Dee Williams como
um contrabandista, Samuel L. Jackson como um Jedi periférico — eles
são menos representados na galáxia que ewoks”.
Em suma, vejo com
bons olhos a diversidade racial (e sexual) no cinema, acho importante a
representatividade, torço por ter mais filmes para assistir... mas discordo
frontalmente da obrigatoriedade de personagens negros onde estes não cabem, por
mais que nosso querido Finn assim o defenda.
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