Charlottesville e a liberdade de expressão
Policial negro defendendo supremacistas brancos em Charlottesville: Imagem marcante |
Inspirado por um vídeo do Rafinha
Bastos (assista aqui), resolvi retomar um tema que já tratei algumas vezes
nesse blog, a liberdade de expressão; mas desta vez ligando o assunto com os tristes
episódios em Charlottesville, no estado da Virgínia, USA. Se você não sabe do
que estou falando certamente não assistiu noticiários nos últimos dias; ocorre
que supremacistas brancos (neonazistas e KKK) organizaram uma marcha contra a
retirada de uma estátua do General Confederado Robert E. Lee, o que motivou
tanto agressões contra a marcha quanto uma marcha de antirracistas, a qual
sofreu um atentado de um homem que, com seu carro atropelou diversas pessoas,
matando uma e deixando cinco em estado crítico.
Para tanto, vou começar citando
um artigo que já publiquei neste blog alguns anos atrás (leia aqui), quando
comentava da minha saída da Liga Humanista Secular, entidade que apoiava (e concordo
e apoio) em diversas lutas contra o racismo, contra o sexismo, contra a
exploração sexual, contra a interferência da religião no Estado, contra a
homofobia... Por que eu saí da Liga? Porque a liga tomou a atitude de calar um
grupo de facebook, com o qual eu discordava, chamado Lobo Insano, uma página
que, já à época, classifiquei como de mau gosto, com humor pouco ou nada
inteligente, sem graça e apelativo. No mesmo texto explico que a causa de meu
desgosto para com a Liga era resumida na expressão Liberdade de Expressão (com
o perdão do trocadilho).
Em minha opinião, o fato de a
Liga ter calado a voz do Lobo contradiz a máxima erroneamente atribuída a
Voltaire: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a
morte teu direito de dizê-lo”; ou seja, não é o fato de não concordar, de achar
de mau gosto ou de ficar enojado com o que você diz que deve me dar direito de
calá-lo.
Quanto a Charlottesville, confesso
que se lá morasse estaria na segunda passeata e talvez tivesse sido atropeado,
acho o racismo algo deplorável; entretanto... o fato de eu considerar o
racismo, o sexismo, a homofobia ou outras coisas deploráveis, em minha opinião,
não me dá o direito de querer calar àqueles que as defendem, simples assim! O
caso é que, nas palavras do Bastos, não existe uma “meia liberdade”; se você é
livre, mas dorme na prisão, você é um preso em regime semiaberto, não um homem
livre. E essa liberdade deve valer para todos os lados em qualquer questão, e
não ser subjetiva como o é no Brasil, em que a liberdade de expressão é
controlada pelo Estado.
Para muitos conservadores, por
exemplo, o que defendemos (a Liga e eu) quando nos manifestamos favoráveis ao
casamento homossexual ou à liberdade de escolha em relação ao aborto,
certamente parecerá insano, nojento, errado, imoral, de mau gosto; afinal,
contraria sua visão de mundo; no caso do aborto somos considerados, inclusive,
defensores do assassinato. Não é, entretanto, a discordância de tais grupos que
deve nos calar. Eu estava certo e eles errados? Em minha opinião sim, na
opinião deles não. E quem de nós está certo? Talvez eu, talvez eles, talvez
ninguém.
Se assim penso, que tenho o
direito de me expressar livremente, gostem ou não do que digo, como posso negar
tal direito a outrem? Devemos ter o direito de expressar nossa visão de mundo,
de lutar por ela, de pressionar, de divulgar, até para que se possa saber os
porquês de concordarmos ou de termos asco a determinada ideia...Como posso
dizer “não importa o que vocês pensam; eu acho que estou com a razão e vou
continuar me manifestando” e, ao mesmo tempo, dizer “você pensa diferente de
mim, portanto você não tem direito a se manifestar”?
Por dizer tais coisas, talvez
você me considere um babaca ou, no mínimo, alguém sem noção de realidade. Bom,
você pode pensar assim, e mais, você pode expressar seu pensamento sobre mim,
adivinhe por quê? Por que você usufrui de liberdade, essa palavra que o sonho
humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda (já
dizia Cecília Meirelles).
Tanto aqui quanto nos EUA, a
justificativa para tentar-se calar aqueles a quem discordamos é moral, ou seja,
o outro grupo é moral e eticamente errado. Quando surgem tais assuntos, sempre
gosto de lembrar que a moral e a ética, embora fundamentais para a vida em
sociedade, não são valores absolutos, além de variar conforme a visão pessoal,
variam em tempo e espaço; ou seja, o que vale para o Brasil no Século XXI,
seria considerado absurdo no Brasil do Século XIX, e mesmo é considerado
ofensivo em outros países em pleno 2013; ou seja, não há uma “verdade moral e
ética absoluta”, existe aquilo em que me baseio e por que luto, e aquilo em que
outros se baseiam e por que lutam. Talvez daqui há 100 anos, aquilo que
defendemos hoje como valores éticos sejam vistos como absurdos e mesmo
nojentos; quem sabe?
Com todo o exposto, deixo claro que as agressões
físicas de ambos os lados são indefensáveis, e os atropelamentos um crime que
deve ser severamente punido (fiquei feliz em saber que, parece, o criminoso
será julgado por ato de terrorismo). Mas moral e eticamente certos ou errados,
uma coisa contra a qual AMBOS os lados atentaram foi contra o direito à livre
expressão de ideias, algo previsto na primeira emenda da Constituição
Americana, emenda esta que já me declarei fã (leia aqui). Ou seja, os episódios
em Charlottesville não estão demonstrando uma maior politização da população
contra esta coisa ruim, errada e nojenta que é o racismo, ao contrário, é uma
demonstração daquilo que conhecemos tão bem no Brasil: a radicalização dos
lados na qual estes querem calar-se mutuamente. Por tudo isso, considero que
calar vozes discordantes é sempre ruim, errado e tão nojento quanto um grupo de
supremacistas brancos marchando.
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