O Analfabeto Científico-Tecnológico
O dramaturgo e poeta alemão Berthold Brecht tem um escrito que sintetiza a importância da educação política na formação do cidadão. Diz o texto:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”1.
Apesar das mais de cindo décadas que nos separam da morte do pensador germânico, suas palavras ainda sintetizam magistralmente aquilo que Paulo Freire tão bem definiu como outro tipo de analfabetismo, uma vez que, para o educador, alfabetizar, muito mais do que ler palavras, deve propiciar a “leitura do mundo”2.
Ocorre que em nossos tempos de ‘Revolução Industrial Cibernética’, o texto de Brecht poderia ser adaptado e principiar por “O pior analfabeto é o analfabeto científico-tencológico”.
Tal qual Brecht preceitua, o ‘novo analfabeto’ desconhece a importância do conhecimento científico-tecnológico, sem o qual seu conhecimento de mundo, de estrutura social ou de realidade econômica fica, no mínimo, limitado.
Assim como a alfabetização abre todo um novo mundo de compreensão semiótica através da possibilidade de apreensão do símbolo escrito, a educação científico-tecnológica estende a capacidade de compreensão crítica da realidade social e política e sua consequente transformação em busca da igualdade de oportunidades.
Como, pois, avaliar temáticas atuais e prementes tais como uso sustentável de recursos naturais, poluição, preservação ambiental, biodiversidade, fome, transgênicos, agrotóxicos ou crescimento populacional sem um mínimo de desenvolvimento crítico-reflexivo em CT?
E como haver uma autêntica participação social em temas políticos tais como a privatização de recursos minerais – como o caso da Vale do Rio Doce ou a pretendida venda da Petrobras –, clonagem, células-tronco, liberdade sexual ou direitos e deveres no mundo digital sem, antes, uma educação que possibilite a compreensão básica de tais assuntos?
Mas o dano não para por aí. A própria inclusão social, tão propalada e laborada pelas últimas gestões federais, torna-se inviável sem um mínimo de alfabetização
Até mesmo o modelo linear de progresso apresentado por Auler3: Desenvolvimento Científico criando Desenvolvimento Tecnológico que cria Desenvolvimento Econômico que resulta
Não podemos nos firmar como nação realmente independente economicamente enquanto nossa economia estiver atrelada à tecnologia de grupos estrangeiros multinacionais. Como afirmar, por exemplo, que detemos uma das mais rentáveis agriculturas do mundo quando nossas sementes de oleaginosas dependem do fornecimento constante de multinacionais? Como, apesar de sermos um dos maiores exportadores, pensar que nossa produção de carne de frango assegurará uma balança comercial estável se as matrizes necessitam ser compradas de empresas que detém a patente da tecnologia genética e a consequente garantia de royalties? Mas, sobretudo, como sair deste círculo vicioso sem um grande, um imenso incentivo à pesquisa científico-tecnológica, e como garantir este incentivo – que depende de pesados investimentos e vontade política – sem uma forte pressão social? E como conseguir esta pressão social quando a imensa parte da população sequer sabe que o problema existe?
Eis, pois, o desafio que se descortina à nossa frente enquanto passamos o futuro às mãos de nossos filhos: Desenvolver as novas gerações de brasileiros em CT, tornar os educandos e educandas em cidadãos e cidadãs com uma visão clara do mundo em que vivem, dos destinos e da realidade, com nítida percepção dos desafios e possibilidades.
É preciso que rompamos o círculo vicioso de pais mal-alfabetizados em CT, que não criam o interesse, professores e professoras mal-remunerados, que se limitam a aplicar o currículo básico e alunos e alunas que fingem aprender apenas para poder chegar a cursar o número mínimo de anos que possibilitem um emprego razoável.
Mas é necessário que a mudança principie em cada um de nós, para que no futuro possamos externá-la e nos tornemos agentes históricos, ao invés de meros objetos, meros peões no xadrez da vida.
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1 – BRECHT, Berthold, http://www.consciencia.net/2004/mes/01/brecht-analfabeto.html
2 – AULER, Décio – “Alfabetização Científico-Tecnológica: Um Novo ‘Paradigma’?” – Pesquisa em Educação em Ciências – Volume 05/Número 01 – Março/2003.
3 – Ibdem.
Caro Carlos,
ResponderExcluirÉ preciso ter criticidade, é preciso aprender a "ler o mundo", não ser um mero espectador da vida. Temos que iniciar agora, ou então seguiremos sendo massa de manobra. Um grande abraço Companheiro.